domingo, 4 de julho de 2010

A metafísica no voo de um avião e de uma gaivota

Best-seller desde os anos 1970,
Richard Bach ainda crê na combinação da filosofia
com reminiscências pessoais


Era 1959 e o então aspirante a escritor Richard Bach (foto) ouviu uma voz que parecia premonitória: "Voar, voar, voar", dizia, martelando o mesmo verbo. Entorpecido, começou a escrever com fúria a história de uma gaivota que, por desejar o voo perfeito, é marginalizada pelo seu bando. Feérica, a escrita não agradou e o projeto, inacabado, foi arquivado.
Foi só em 1970, quando já era piloto reserva da Força Aérea Americana, que Bach teve a visão definitiva, aquela que o incentivou a escrever o que se tornaria sua mina de ouro: Fernão Capelo Gaivota (Record). Inicialmente rejeitado por diversas editoras, o texto foi enfim publicado pela Macmillan e logo se tornou um fenômeno mundial, traduzido para vários idiomas e ameaçando a hegemonia de verdadeiros pilares da lista de best-sellers, como ...E o Vento Levou e O Pequeno Príncipe.
Nascido em 1936, no Estado americano de Illinois, Richard Bach descobriu o filão ao unir filosofia com reminiscências pessoais, temperados com toques metafísicos. Nessa linha, escreveu outros sucessos, como Longe É Um Lugar Que Não Existe e Ilusões, sedimentando a paixão do público e a desconfiança da crítica, que torce o nariz para o que considera uma autoajuda mal disfarçada. No ano passado, lançou Hipnotizando Maria (Integrare Editora) em que uma mulher conta como um estranho apareceu em um avião ao lado do seu e a hipnotizou para que ela conseguisse pousar em segurança, depois de uma emergência. Sobre suas experiências, Bach respondeu às seguintes questões, por e-mail.

Seus leitores gostam de histórias baseadas em suas experiências pessoais.
Acho que o ser humano é uma criatura curiosa, ansiosa por saber como os outros encaram os mesmos desafios que estão ao nosso redor. Precisamos saber o que você fez quando este dragão apareceu, ou aquele outro. O que fez para domar estas criaturas, ou não fez nada e foi devorado? Não sei se somos únicos enquanto sociedade que compartilha de histórias neste planeta. No entanto, da manhã à noite não paramos de falar: "Deixe contar para você sobre a época em que parti da aldeia, anos atrás, e o que encontrei do outro lado do horizonte!" Ao ouvir estas histórias, agora sabemos que podemos partir também; são muitos os caminhos que nos levam longe da aldeia, e um deles poderá ser o nosso, se quisermos. Cada um de nós tem histórias para contar, e como adoro ouvir as aventuras dos outros e de ler sobre suas escolhas e suas consequências pessoais, alguns leitores parecem gostar das minhas. Se não gostassem, agora, muito provavelmente, eu seria um mecânico de aviões num pequeno aeroporto do interior. Gostaria do meu trabalho, mas mesmo assim gostaria das histórias sobre a vida dos outros.

Em uma época cada vez mais dominada pela tecnologia, qual a importância da metafísica?
A pergunta mais séria que podemos fazer a respeito do mundo em que vivemos é: "E daí?" A tecnologia brota repentinamente ao nosso redor, os videofones permitem que nos conectemos, as cabines de teletransporte nos levam instantaneamente a qualquer lugar. E daí? O que teremos para dizer ao chegarmos a Shangri-lá? As ferramentas eletrônicas são aquilo, nada mais. Como devemos usá-las para descobrir o que não sabíamos antes, e o que fizemos com o que aprendemos? No fim da nossa vida, poderemos olhar para trás e ver todos os contatos que foram fundamentais para nós, um sorriso aqui para mudar nosso caminho, nossa mão ali para tirar alguém da beira do abismo, a mão do outro que nos ajudou? Quando olharmos para trás, não será o holograma da mão estendida que lembraremos, mas da metafísica daquele sorriso.

Que tipo de desafios o sr. enfrenta quando escreve?
Gosto de significados. O que descobrimos que mudou a nossa maneira de pensar e portanto nossas vidas, daquele momento em diante? Então eu presto atenção no que pode me mudar, e por que eu mudei, na esperança de ser suficientemente medíocre, como todo mundo, e de que aqueles tempos de mudança sejam importantes também para os leitores. Eu fujo dos becos sem saída, dos "e daí" que acabam em "Ah, nada..." Me aborrece vasculhar um motor ou um vagão-restaurante parado nos trilhos. É preciso que meus trens se movimentem.

Romancistas têm alguma obrigação moral para com os seus personagens e leitores?
Na minha opinião, os escritores só têm uma obrigação moral, para consigo próprios. Será este o maior presente que minha imaginação pode trazer às palavras sobre o papel? Será que os princípios por trás desta história funcionam para a minha vida, são práticos na vida de todos os dias, funcionam para os leitores que dedicam seu tempo precioso à leitura dos meus livros? Tenho um estranho sentido de família com os meus leitores espalhados por todo o mundo, devo a eles o melhor do meu espírito, o melhor da minha capacidade de apanhar um grande balão que está subindo. Nunca construirei para eles um navio de chumbo, nem os empurrarei do penhasco: nossas vidas não têm sentido, não há nenhum escopo para nenhum de nós. Algum escritor me diz que seu livro vai para a lata do lixo lá pela página 20.

Como é sua rotina?
Suponho que eu poderia ser mais solitário, mas não sei como. Vez por outra, dava palestras cobrando um preço alto. Não faço mais isso. Sou mais feliz voando com meu aviãozinho, falando aqui e ali com um círculo de amigos com menos de cinco pessoas. O melhor de mim está naqueles 20 livros, com mais alguns, espero, que virão.
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Reportagem de Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão online, 04/07/2010

Um comentário:

  1. que prazer conhece-lo, realmente longe é um lugar que não existe,comprovei sua teoria com lágrimas, sangue e fé na continuação da vida.

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