Jérôme Ferrari evoca Santo Agostinho para contar a queda de grandes impérios, como o de Roma e o colonial francês, por meio da narrativa de pequenos personagens
Por Leonardo Cazes
Em
“O sermão da queda de Roma” (Editora 34), o escritor francês e
professor de filosofia Jérôme Ferrari recorre a uma frase de Santo
Agostinho, no texto que dá título ao livro, para conduzir o romance: “O
mundo é como o homem: nasce, cresce e morre”. Na história, este ciclo
começa e recomeça nas trajetórias dos narradores Matthieu, de sua irmã
Aurelie e do seu avô Marcel. Na obra, vencedor do prêmio Goncourt em
2012, o mais importante da França, Ferrari constrói um enredo em que a
história do século XX é o pano de fundo para o seu paralelo entre a
ascensão e queda de impérios, como o colonial francês, e os moradores de
uma pequena vila na Córsega. “As grandes coisas, como os impérios,
funcionam como as pequenas coisas”, diz ele, em entrevista ao GLOBO, em
Paraty, onde participará hoje da mesa “Tragédias no microscópio”, às
13h, com Daniel Galera. O escritor fala sobre a inspiração do livro e
repudia a ideia de que se trata de um romance filosófico.
Como surgiu a ideia para “O sermão da queda de Roma”?
Em geral, é algo que se repete em todos os meus romances. Tenho muitos pontos de partida, que vão se ligando uns aos outros. O meu trabalho de concepção consiste, principalmente, em construir essas ligações entre os diferentes pontos de partida. Nesse livro, eu tinha o trecho de um texto de Santo Agostinho (o sermão que dá título a obra, transcrito no início do livro), que descobri por acaso, mas que me interessou muito. Também tinha a história de um bar e depois a história de um homem que atravessa o século XX em lugares onde a história não acontece. Foi o sermão de Santo Agostinho que me permitiu conectar e transformar todas essas histórias em um romance. Mas isso levou um tempo, se passou ao menos dois anos entre os pontos de partida e o romance acabado.
Você tem um interesse especial pela queda dos grandes impérios?
Meu interesse não é exatamente pelas grandes coisas. Quando você lê o sermão de Santo Agostinho, ele quase não fala da queda de Roma. Ele pronunciou durante a queda de Roma, mas o que ele faz é lembrar aos homens de que tudo que é construído por eles, seja grande ou pequeno, está fadado à queda, ao fim. É essa ideia romanesca que eu encontrei no sermão. A possibilidade de fazer um paralelo entre as grandes coisas e as pequenas coisas. E o que me interessa ainda mais é a possibilidade de ver que as grandes coisas, como os impérios, funcionam como as pequenas. Não se trata de transformar as pequenas coisas em grandes coisas. É isso que eu coloco no romance, desde a história da colonização francesa até a pequena história do bar numa vila do interior. Não só para fazer um paralelo, mas mostrar que possuem os mesmos mecanismos. Tenho muito interesse pela aventura colonial francesa por uma questão pessoal. Na Córsega, na geração dos meus avós, 80% dos homens foram empregados no Exército ou na administração colonial, foi algo muito forte para uma geração na França.
Esse mecanismo também rege a vida dos personagens?
No início do sermão, Santo Agostinho fala que “o mundo é como um homem: nasce, cresce e morre”. Essa é a chave para entender todo o resto do texto. Todas as histórias que estão no romance funcionam dessa maneira, cumprem essas três etapas e depois recomeçam.
O romance é narrado a partir de vários personagens. Em comum há o fato de viverem diversas fugas ao longo da vida. Você concorda?
Sim, há diversas fugas mas não na mesma direção geográfica. Matthieu vê a Córsega como uma espécie de Terra Prometida, onde as coisas serão do jeito que têm que ser, e por isso faz tudo para sair de Paris e viver naquela cidade onde ele passava as férias na infância e adolescência. É a mesma fuga vivida por seu avô, mas inversamente, pois ele busca a Córsega como um lugar necessário, enquanto seu avô fez de tudo para deixá-la, porque para ele a Córsega é um lugar de miséria, onde não há nada a fazer. Sim, no livro, todo mundo foge para algum lugar. Nunca refleti muito sobre essa questão, mas creio que em todos os meus romances há personagens em fuga.
Além de escritor, você também é professor de filosofia. Como você vê a presença da filosofia no romance?
Como surgiu a ideia para “O sermão da queda de Roma”?
Em geral, é algo que se repete em todos os meus romances. Tenho muitos pontos de partida, que vão se ligando uns aos outros. O meu trabalho de concepção consiste, principalmente, em construir essas ligações entre os diferentes pontos de partida. Nesse livro, eu tinha o trecho de um texto de Santo Agostinho (o sermão que dá título a obra, transcrito no início do livro), que descobri por acaso, mas que me interessou muito. Também tinha a história de um bar e depois a história de um homem que atravessa o século XX em lugares onde a história não acontece. Foi o sermão de Santo Agostinho que me permitiu conectar e transformar todas essas histórias em um romance. Mas isso levou um tempo, se passou ao menos dois anos entre os pontos de partida e o romance acabado.
Você tem um interesse especial pela queda dos grandes impérios?
Meu interesse não é exatamente pelas grandes coisas. Quando você lê o sermão de Santo Agostinho, ele quase não fala da queda de Roma. Ele pronunciou durante a queda de Roma, mas o que ele faz é lembrar aos homens de que tudo que é construído por eles, seja grande ou pequeno, está fadado à queda, ao fim. É essa ideia romanesca que eu encontrei no sermão. A possibilidade de fazer um paralelo entre as grandes coisas e as pequenas coisas. E o que me interessa ainda mais é a possibilidade de ver que as grandes coisas, como os impérios, funcionam como as pequenas. Não se trata de transformar as pequenas coisas em grandes coisas. É isso que eu coloco no romance, desde a história da colonização francesa até a pequena história do bar numa vila do interior. Não só para fazer um paralelo, mas mostrar que possuem os mesmos mecanismos. Tenho muito interesse pela aventura colonial francesa por uma questão pessoal. Na Córsega, na geração dos meus avós, 80% dos homens foram empregados no Exército ou na administração colonial, foi algo muito forte para uma geração na França.
Esse mecanismo também rege a vida dos personagens?
No início do sermão, Santo Agostinho fala que “o mundo é como um homem: nasce, cresce e morre”. Essa é a chave para entender todo o resto do texto. Todas as histórias que estão no romance funcionam dessa maneira, cumprem essas três etapas e depois recomeçam.
O romance é narrado a partir de vários personagens. Em comum há o fato de viverem diversas fugas ao longo da vida. Você concorda?
Sim, há diversas fugas mas não na mesma direção geográfica. Matthieu vê a Córsega como uma espécie de Terra Prometida, onde as coisas serão do jeito que têm que ser, e por isso faz tudo para sair de Paris e viver naquela cidade onde ele passava as férias na infância e adolescência. É a mesma fuga vivida por seu avô, mas inversamente, pois ele busca a Córsega como um lugar necessário, enquanto seu avô fez de tudo para deixá-la, porque para ele a Córsega é um lugar de miséria, onde não há nada a fazer. Sim, no livro, todo mundo foge para algum lugar. Nunca refleti muito sobre essa questão, mas creio que em todos os meus romances há personagens em fuga.
Além de escritor, você também é professor de filosofia. Como você vê a presença da filosofia no romance?
O
meu trabalho como professor de filosofia e como escritor são
completamente distintos. Leio muita filosofia e muita literatura e esses
conhecimentos não ficam separados na minha cabeça. O que não faço é
pegar um texto filosófico e transformá-lo num romance, como se fosse
explicá-lo, porque isso não é nem filosofia nem romance. Em geral,
quando dizem na França que meus livros são romances filosóficos eu digo
que não. Até porque nem sei o que é um romance filosófico. As coisas que
me interessam são as mesmas na filosofia e na literatura. Um tema não é
filosófico ou literário. É a maneira de tratá-lo que o transforma em
filosofia ou literatura. Há muitas obras que importaram a metafísica
para o romance, como toda a literatura russa. É possível pegar conceitos
da filosofia e dá-los um tratamento literário. Creio que um romance não
deve defender ou ilustrar uma tese, nem filosófica nem política. O
engajamento no romance deve ser feito com as armas próprias do romance,
caso contrário ele vira uma farsa.
Você vai participar da mesa “Tragédia no microscópio”, um tema que está de acordo com o seu livro. Você preparou sua apresentação na Flip?
Por princípio, eu não preparo nada antes de apresentações como essa. Porque se você faz alguma coisa, você chega com ideias pré-concebidas e perde a espontaneidade do que ocorre na frente do público. É claro que eu pensei sobre o tema, é um assunto me convém bastante. Quando falamos na tragédia, falamos de coisas grandes e pequenas ao mesmo tempo.
Você é um francês que nasceu na Córsega e hoje trabalha como professor em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Sua experiência aparece no livro? Como essa experiência o influenciou?
No livro, isso aparece não como uma característica da minha família, mas como uma característica social da própria Córsega. Ela foi a região que mais cedeu homens para a administração colonial e o exército.
Como você avalia o debate na França sobre a imigração e a convivência entre as diferenças?
Na França, existe há uns dois anos um grande debate sobre a identidade nacional. A questão colocada é: o que define um francês? Essa questão é absolutamente idiota. Como se fossem fazer uma lista de características a serem preenchidas pelas pessoas. São concepções de identidade que são verdadeiramente impossíveis de sustentar, falsas e portanto idiotas.
Você vai participar da mesa “Tragédia no microscópio”, um tema que está de acordo com o seu livro. Você preparou sua apresentação na Flip?
Por princípio, eu não preparo nada antes de apresentações como essa. Porque se você faz alguma coisa, você chega com ideias pré-concebidas e perde a espontaneidade do que ocorre na frente do público. É claro que eu pensei sobre o tema, é um assunto me convém bastante. Quando falamos na tragédia, falamos de coisas grandes e pequenas ao mesmo tempo.
Você é um francês que nasceu na Córsega e hoje trabalha como professor em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Sua experiência aparece no livro? Como essa experiência o influenciou?
No livro, isso aparece não como uma característica da minha família, mas como uma característica social da própria Córsega. Ela foi a região que mais cedeu homens para a administração colonial e o exército.
Como você avalia o debate na França sobre a imigração e a convivência entre as diferenças?
Na França, existe há uns dois anos um grande debate sobre a identidade nacional. A questão colocada é: o que define um francês? Essa questão é absolutamente idiota. Como se fossem fazer uma lista de características a serem preenchidas pelas pessoas. São concepções de identidade que são verdadeiramente impossíveis de sustentar, falsas e portanto idiotas.
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Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/#502641
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