Incompatíveis
Um dos mais bem-sucedidos executivos brasileiros está de volta ao país depois de 16 anos no exterior e afirma que o governo tem de fazer menos, melhor e mais depressa
GRAZIELE OLIVEIRA E MARCOS CORONATO
Entre os altos executivos brasileiros, Alain Belda, de 70 anos, tem uma
invejável visão global de como se articulam a política e a economia, os
governos e as empresas. De 1999 a 2009, ele foi diretor mundial da
fabricante de alumínio americana Alcoa, um colosso que faturava então
US$ 30 bilhões por ano e atuava em mais de 30 países. Em 2009, voltou a
se aproximar do Brasil, ao assumir o comando, na América Latina, da
Warburg Pincus, uma das maiores empresas de investimentos do mundo, com
cerca de US$ 40 bilhões distribuídos por 125 empreendimentos. Belda se
mudou de volta para São Paulo em 2010. Encontrou um país bem diferente
daquele que deixava, em 1994, quando se tornou vice-presidente mundial
da Alcoa. Ele acha que o país melhorou, mas que o governo – Executivo,
Legislativo e Judiciário – não acompanhou a sociedade nem fez jus ao
volume e à eficiência da arrecadação de impostos no Brasil.
ÉPOCA – O que o senhor acha das manifestações que tomaram as cidades brasileiras? Elas podem resultar em mudanças?
Alain Belda – Primeiro, não acredito em democracia direta. Portanto, demonstrações e passeatas para mudar qualquer coisa não são uma solução. Mas, de vez em quando, alguém tem de dar um basta, principalmente quando há a desconexão que temos aqui entre representantes e representados. Nesse caso, só mesmo com demonstrações de massa se consegue chamar a atenção. A péssima qualidade da infraestrutura e dos serviços públicos, o loteamento do país e do orçamento por 39 ministérios – um mensalão legalizado –, a corrupção, a insegurança e a impunidade resultam nessa grande insatisfação da população. Essa é a natureza do “basta” que se vê nas ruas.
ÉPOCA – O senhor voltou a morar no país em 2010, após 16 anos vivendo no exterior. Como está o ambiente para fazer negócios no Brasil?
Belda – Houve mudanças institucionais e no ambiente macroeconômico. As esferas política e judicial melhoraram bastante desde que saí do Brasil, em 1994. Inserir milhões de pessoas no mercado de consumo também foi importante, porque agora elas estão engajadas na dinâmica capitalista, na dinâmica econômica do país, no reforço das instituições políticas. Hoje, temos algo a perder. Isso reforça as instituições. Por outro lado, o governo, em si, não melhorou, não em intensidade de intervenções. É preciso fazer menos, fazer melhor e mais depressa. O Brasil se tornou grande. Não é mais possível dirigi-lo como se fazia em 1970 ou em 1980, com intervenções diárias e incerteza. Isso (a intervenção excessiva) não deveria mais fazer parte de nossa economia. É um dos problemas que atrapalham o Brasil e sua inserção no mundo moderno e competitivo de hoje. O Brasil cresceu, mas a cabeça do governo continuou pequena e, nas relações externas, em algum lugar entre Cuba e a queda do Muro de Berlim. Necessitamos de projetos de maior impacto e de longo prazo, em logística, educação e saúde. Não é só fazer pronunciamentos de impacto e adotar medidas para acertar índices – e sim (adotar) ações de longo prazo, inseridas num contexto e explicadas à população. O Brasil está muito avançado no que refere à cobrança de impostos, mas o resto do governo não funciona. A arrecadação é das mais altas entre países em desenvolvimento. Mas a atuação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário não é compatível com a (boa) qualidade da organização para cobrar impostos e com a percentagem do PIB arrecadada.
ÉPOCA – O que o senhor acha das manifestações que tomaram as cidades brasileiras? Elas podem resultar em mudanças?
Alain Belda – Primeiro, não acredito em democracia direta. Portanto, demonstrações e passeatas para mudar qualquer coisa não são uma solução. Mas, de vez em quando, alguém tem de dar um basta, principalmente quando há a desconexão que temos aqui entre representantes e representados. Nesse caso, só mesmo com demonstrações de massa se consegue chamar a atenção. A péssima qualidade da infraestrutura e dos serviços públicos, o loteamento do país e do orçamento por 39 ministérios – um mensalão legalizado –, a corrupção, a insegurança e a impunidade resultam nessa grande insatisfação da população. Essa é a natureza do “basta” que se vê nas ruas.
ÉPOCA – O senhor voltou a morar no país em 2010, após 16 anos vivendo no exterior. Como está o ambiente para fazer negócios no Brasil?
Belda – Houve mudanças institucionais e no ambiente macroeconômico. As esferas política e judicial melhoraram bastante desde que saí do Brasil, em 1994. Inserir milhões de pessoas no mercado de consumo também foi importante, porque agora elas estão engajadas na dinâmica capitalista, na dinâmica econômica do país, no reforço das instituições políticas. Hoje, temos algo a perder. Isso reforça as instituições. Por outro lado, o governo, em si, não melhorou, não em intensidade de intervenções. É preciso fazer menos, fazer melhor e mais depressa. O Brasil se tornou grande. Não é mais possível dirigi-lo como se fazia em 1970 ou em 1980, com intervenções diárias e incerteza. Isso (a intervenção excessiva) não deveria mais fazer parte de nossa economia. É um dos problemas que atrapalham o Brasil e sua inserção no mundo moderno e competitivo de hoje. O Brasil cresceu, mas a cabeça do governo continuou pequena e, nas relações externas, em algum lugar entre Cuba e a queda do Muro de Berlim. Necessitamos de projetos de maior impacto e de longo prazo, em logística, educação e saúde. Não é só fazer pronunciamentos de impacto e adotar medidas para acertar índices – e sim (adotar) ações de longo prazo, inseridas num contexto e explicadas à população. O Brasil está muito avançado no que refere à cobrança de impostos, mas o resto do governo não funciona. A arrecadação é das mais altas entre países em desenvolvimento. Mas a atuação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário não é compatível com a (boa) qualidade da organização para cobrar impostos e com a percentagem do PIB arrecadada.
Belda – Quero deixar claro que manifestar preocupações não é falar mal do país, ok? Acredito que deveríamos voltar ao tripé (econômico) do governo Lula, no primeiro mandato, ao tripé do Fernando Henrique. Isso quer dizer estabilidade da inflação, estabilidade do câmbio e o controle do gasto público, com a decisão de crescimento. Tivemos uma grande sorte. Em 2004, com a compra de matérias-primas pelo governo chinês, vivemos uma explosão que, no Brasil, se transformou em mais arrecadação e mais transferência de recursos. Criaram-se 40 milhões de consumidores. Aproveitamos o momento para reduzir o endividamento externo do governo e fizemos reservas. Isso agora mudou. Temos reservas – algumas de longo prazo e grande parte de movimentos especulativos –, que hoje financiam o BNDES para empréstimos de longo prazo. Mas destinar dinheiro de curto prazo para investimento de longo prazo normalmente cria problema a uma certa altura. Neste último ano, perdemos o controle da inflação, do superavit primário (o dinheiro poupado pelo governo para pagar juros da dívida pública) e do balanço de pagamentos (as contas do Brasil com o exterior). Estamos tentando resolver assuntos de fundo com medidas paliativas, para acertar índices. Não adianta você tentar resolver o problema de poluição do rio fazendo uma estação de tratamento de água, em vez de resolver a fonte poluidora, o esgoto. A volta do controle dos gastos públicos e do investimento público adequado, do investimento na educação e na logística permitirá ao país fazer mais coisas. Mas isso não acontece de um dia para o outro, nem é compatível com a agenda política de reeleição, no fim de 2014, que começa em janeiro de 2013.
ÉPOCA – Faz tempo que empresários vêm sendo chamados a colaborar com o governo federal. O ex-presidente Fernando Henrique fez isso, o ex-presidente Lula fez e a presidente Dilma faz. Essa colaboração trouxe algum resultado?
Belda – É difícil achar um empresário que foi preparado para trabalhar no governo. É uma vida diferente, é uma medida de eficiência diferente da que existe numa empresa. É uma estrutura de mando muito distinta. Você assume por três ou quatro anos, mas a turma embaixo está lá e ali permanecerá, independentemente do que você fizer ou não fizer. Acho muito difícil. Já fui convidado três vezes para participar do governo. Nas três vezes declinei, porque não acho que eu tenha preparo para trabalhar no governo. Não tenho preparo para fazer trocas em que não acredito. Entendo a política, não estou criticando, mas é outro nível de eficiência. Já estive no Conselhão do Lula (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que reunia 90 conselheiros, incluindo empresários), em reunião com dez empresários brasileiros e dez americanos com Lula. Saí disso tudo, porque a gente tem de ser produtivo. Como também não preciso da agenda do governo, então para mim não tem razão perder produtividade assim. Nos Estados Unidos, fiquei 16 anos tocando uma empresa de US$ 30 bilhões de faturamento e 120 mil empregados. Precisei ir a Washington umas quatro vezes. Não precisa, não é necessário. Aqui, pelo jeito, é.
ÉPOCA – Há dez anos, o senhor considerava o Brasil ausente no cenário internacional. E hoje?
Belda – Continua sendo. O foco em cima do Mercosul é uma bobagem. Há um mercado de US$ 14 trilhões nos Estados Unidos, outro de US$ 16 trilhões na Europa, e nos dedicamos a sair disso e ficar perdendo tempo com Argentina e Venezuela, que não vão a lugar nenhum. Entendo a geopolítica de proteger as fronteiras, de não criar áreas de conflitos, mas pelo amor de Deus! Quantas viagens a gente faz para Cuba? E o foco em cima do Conselho de Segurança da ONU? Devem existir coisas mais importantes para nos dedicarmos. É um problema de foco. Qual é o objetivo? O objetivo é fazer este país crescer e torná-lo competitivo. Isso é que garantirá os salários e a ascensão social. Se não conseguirmos definir uma base de competitividade, podemos trabalhar aqui e os chineses lá, mas eles estarão tirando nossos postos de trabalho.
ÉPOCA – Qual é a estratégia da Warburg Pincus no Brasil?
Belda – Mundialmente, trabalhamos em cinco áreas: saúde, finanças, tecnologia, energia e negócios. Esta última consiste basicamente em refinanciamentos, que não fazemos no Brasil em função das taxas de juros locais. Em energia, especialmente óleo e gás, é difícil entrarmos, porque há somente um grande cliente, que se chama Petrobras – e negócio com um cliente grande que define seu destino, para nós, não é bom negócio. Então, ficam três áreas de atuação. A Warburg tem um fundo mundial, que captou US$ 11 bilhões agora, mas não tem uma definição do tipo “vamos investir tanto em tal país”. É uma questão de oportunidade. No momento, estamos construindo uma usina no Piauí, mas temos problemas em relação a aprovações relacionadas a meio ambiente. Está parado, o que aumenta muito o custo do projeto. O Estado manda, uma ONG manda... estamos conseguindo construir, pouco ainda, enquanto esperamos uma decisão. Continuamos a olhar o mercado, investindo em áreas de consumo e que dependam pouco do governo.
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Fonte: http://epoca.globo.com/?ver=http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/07/alain-belda-bo-pais-melhoroub-mas-o-governo-nao.html
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