O britânico Nigel Ackland perdeu o braço direito em um acidente na
fundição onde trabalhava e hoje usa uma das próteses mais avançadas do
mundo. Sorridente e carismático, Ackland é garoto-propaganda da mão
mecânica fabricada pela empresa inglesa RSLSteeper. Ao custo de US$ 25
mil, ela é sensível aos músculos do braço e permite até amarrar os
sapatos. "Eu me sentia muito mal com o gancho. As pessoas tinham medo de
mim. Mas com esta mão, todos ficam maravilhados," diz Ackland. Ao
pedido de um aperto de mão, responde: "Claro! É isso que nos torna
humanos."
A fronteira entre o humano e o artificial define bem a problemática
de um congresso realizado no Lincoln Center, em Nova York, intitulado
Global Future 2045. É o segundo congresso de futurologia promovido pelo
milionário russo Dmitry Itskov, de 32 anos, que reuniu de cientistas
respeitados a líderes religiosos obscuros e empresários bem-sucedidos
com queda pelos estudos do amanhã. Considerado o Mark Zuckerberg da
Rússia, Itskov viaja o mundo para conhecer cientistas e investiu US$ 3
milhões de sua fortuna na realização do encontro. Sua meta é criar um
"avatar" que permita viver para sempre.
Apesar de todo o brilho do jovem empreendedor e das pessoas
importantes emprestando um ar de respeitabilidade a suas visões, é
inevitável sentir vertigem diante de tanta utopia, teorias quânticas
para explicar o cérebro e alarde sobre um futuro de competição
darwinista entre os países. É como se o Lincoln Center se tornasse
cenário de um conto de ficção científica sem desenlace, onde conceitos
ousados, mas repletos de implicações perigosas, se apresentam como
soluções para os grandes problemas da humanidade. Vem logo à mente o
romance do também russo Gary Shteyngart, "Uma História de Amor Real e
Supertriste" (Rocco), em que o protagonista trabalha em uma empresa cuja
promessa é estender a vida em um futuro distópico onde o Ocidente
decaiu e a China é a grande potência.
Para os céticos, o ponto alto foram as pesquisas avançadas de
luminares da neurociência. Um exemplo é Theodore Berger, da Universidade
do Sul da Califórnia. Berger e colegas conseguiram aplicar eletrodos no
cérebro de ratos e manipular suas memórias. A técnica envolve o
hipocampo, parte do cérebro onde as memórias de curto prazo são
processadas e arquivados para longo prazo. Usando várias técnicas para
visualizar a atividade cerebral, os pesquisadores conseguiram
identificar como o hipocampo processa as memórias e até implantaram
lembranças de um rato no outro. Testes com humanos podem começar em um
ano e meio. "Achava que trabalharíamos com ratos até eu me aposentar",
diz Berger. O objetivo é substituir partes defeituosas do hipocampo para
tratar problemas de memória.
Outros cientistas também estão começando a manipular neurônios. A
equipe de Ed Boyden, do Massachusetts Institute of Technology (MIT),
desenvolveu um meio de ativar os neurônios usando luz. O objetivo é
compreender melhor o funcionamento das células nervosas e descobrir
tratamentos para doenças graves como a epilepsia.
Mas a integração entre homem e máquina ainda enfrenta sérios
desafios. Um deles é como instalar os receptores no cérebro sem causar
infecção. Outro é driblar a vida útil curta dos implantes atuais, como o
marcapasso. Jose Carmena e Michael Maharbiz, da Universidade de
Berkeley, dizem que a solução pode ser a tecnologia de radiofrequência,
na qual chips como os de cartões de crédito são energizados pelo sensor
que os lê. Eles já conseguiram fazer um macaco controlar programas de
computador via interface cerebral. O trabalho de Carmena e Maharbiz é
focado nas próteses de membros e agora eles buscam uma maneira de
reproduzir o tato em braços e pernas artificiais. "O próximo passo é
descobrir como o cérebro aprende a manipular as próteses", diz Carmena.
Ray Kurzweil, diretor de engenharia do Google, pioneiro da leitura
ótica e autor do best-seller "A Singularidade Está Próxima" - sobre a
possibilidade da inteligência artificial -, enxerga a humanidade
caminhando para um novo estágio de evolução com o desenvolvimento veloz
da biotecnologia, internet e computação. Questionado se as tecnologias
de longevidade não estarão disponíveis inicialmente só para os mais
ricos e criarão uma casta de bilionários imortais, Kurzweil usa o
exemplo da primeira geração de telefones celulares, símbolo de status
dos ultrarricos nos anos 80, em comparação com a onipresença atual dos
aparelhos. "Essas tecnologias de ponta só são exclusivas dos ricos
quando são uma porcaria."
Em paralelo à ciência de ponta, muitos conceitos no mínimo ambiciosos
têm sido discutidos para o futuro. Um deles é proposto por Peter
Diamandis, empreendedor do espaço sideral mais conhecido por criar o
Ansari X Prize, prêmio de US$ 10 milhões a quem conseguisse atingir a
órbita da Terra e vencido em 2004 pelo projeto SpaceShipOne. Diamandis
quer minerar combustível espacial e metais preciosos nos asteroides e
estima valor de mais de US$ 5 trilhões para um deles. Numa demonstração
de ceticismo, a estimativa costuma arrancar risos de muitos. Mas sua
empresa, Planetary Resources Inc., já recebeu investimento de Larry
Page, fundador do Google, e Eric Schmidt, presidente do conselho da
gigante americana da internet.
"A
clonagem mental permitiria a continuidade
do eu e até a ressurreição,
imagina ela.
A mente poderia ser implantada em uma máquina,
um robô ou
um clone."
Ideias dignas de ficção científica são projetadas por Martine
Rothblatt, importante pioneira dos satélites comerciais de comunicação e
fundadora da Sirius Satellite Radio. Martine, nascida homem
(originalmente Martin), diz acreditar que a tecnologia de clone mental
estará disponível até 2045 e argumenta que já vivermos várias "vidas"
diferentes - seja nas diferentes mídias sociais visitadas ou nas
"máscaras" usadas para o trabalho e outras atividades sociais. A
clonagem mental permitiria a continuidade do eu e até a ressurreição,
imagina ela. A mente poderia ser implantada em uma máquina, um robô ou
um clone.
O cientista de Oxford Anders Sandberg ressalta os perigos de copiar
mentes. Sandberg acredita nas simulações como possíveis substitutas das
cobaias, mas também suscita dúvidas sobre qual seria o status das
consciências engarrafadas. "E se alguém resolver implantar memórias na
sua consciência? Ou fazer uma cópia pirata dela? Seria a cópia da
consciência considerada um ser vivo? E se cópia e copiado entrarem em
desacordo, a consciência extracorporal seria considerada uma escrava?"
O trabalho de Hiroshi Ishiguro, professor da Universidade de Osaka
focado em robôs ultrarrealistas, é uma ponte entre os conceitos mais
utópicos e aplicações no mundo real. Um dos maiores especialistas em
robótica do mundo, Ishiguro avalia que o segredo para popularizar os
robôs é a antropomorfia. Defende a necessidade de os robôs terem
imperfeições para simular ao máximo os humanos. Um dos projetos de
Ishiguro é um robô assexuado, parecido com um bebê e capaz de
conversações simples ou de servir como meio de teleconferência. O
Telenoid foi testado na Dinamarca como companhia para idosos e
pesquisadores relataram boa aceitação.
Ishiguro acha que o melhor formato do "smartphone" é o mais próximo
do humano e sugere um futuro em que serão como pequenos bebês, parecidos
com seu protótipo dinamarquês. Para incrementar a capacidade de
conversação dos robôs, Ishiguro trabalha para fazer suas criações
passarem o teste de Turing, prova da capacidade de uma máquina
demonstrar inteligência. Algumas das máquinas de Ishiguro já encontraram
usos práticos como manequins avançados para eventos no Japão.
Ishiguro costuma levar aos eventos o Geminoid, cópia sua um pouco
mais esbelta. Para reforçar a semelhança, Ishiguro e o robô usam a mesma
roupa. Há duas semanas, ele andou na Broadway, em Nova York, empurrando
o Geminoid, diante dos olhares assustados dos transeuntes nas atulhadas
ruas de Manhattan. Visto de perto, o robô não é muito mais que um
manequim capaz de expressões faciais. Assustadoramente parecido com seu
criador, mas com a fala robótica e ausência de movimentos mais naturais
no corpo inteiro, o Geminoid simboliza ao mesmo tempo a vitória e o
fracasso do Global Future: ideias ambiciosas mas ainda fonte de
desconfortável estranhamento.
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