sexta-feira, 12 de julho de 2013

ENTRE O SER HUMANO E O IMORTAL...

 AP / AP
 À imagem e semelhança: Geminoid, robô desenvolvido por Hiroshi Ishiguro, da Universidade de Osaka,
 que tem as mesmas características de seu criador

Considerado o Mark Zuckerberg da Rússia, Itskov viaja o mundo para conhecer cientistas e investiu US$ 3 milhões de sua fortuna na realização do encontro. Sua meta é criar um "avatar" que permita viver para sempre.
O britânico Nigel Ackland perdeu o braço direito em um acidente na fundição onde trabalhava e hoje usa uma das próteses mais avançadas do mundo. Sorridente e carismático, Ackland é garoto-propaganda da mão mecânica fabricada pela empresa inglesa RSLSteeper. Ao custo de US$ 25 mil, ela é sensível aos músculos do braço e permite até amarrar os sapatos. "Eu me sentia muito mal com o gancho. As pessoas tinham medo de mim. Mas com esta mão, todos ficam maravilhados," diz Ackland. Ao pedido de um aperto de mão, responde: "Claro! É isso que nos torna humanos."

A fronteira entre o humano e o artificial define bem a problemática de um congresso realizado no Lincoln Center, em Nova York, intitulado Global Future 2045. É o segundo congresso de futurologia promovido pelo milionário russo Dmitry Itskov, de 32 anos, que reuniu de cientistas respeitados a líderes religiosos obscuros e empresários bem-sucedidos com queda pelos estudos do amanhã. Considerado o Mark Zuckerberg da Rússia, Itskov viaja o mundo para conhecer cientistas e investiu US$ 3 milhões de sua fortuna na realização do encontro. Sua meta é criar um "avatar" que permita viver para sempre.

Apesar de todo o brilho do jovem empreendedor e das pessoas importantes emprestando um ar de respeitabilidade a suas visões, é inevitável sentir vertigem diante de tanta utopia, teorias quânticas para explicar o cérebro e alarde sobre um futuro de competição darwinista entre os países. É como se o Lincoln Center se tornasse cenário de um conto de ficção científica sem desenlace, onde conceitos ousados, mas repletos de implicações perigosas, se apresentam como soluções para os grandes problemas da humanidade. Vem logo à mente o romance do também russo Gary Shteyngart, "Uma História de Amor Real e Supertriste" (Rocco), em que o protagonista trabalha em uma empresa cuja promessa é estender a vida em um futuro distópico onde o Ocidente decaiu e a China é a grande potência.

Para os céticos, o ponto alto foram as pesquisas avançadas de luminares da neurociência. Um exemplo é Theodore Berger, da Universidade do Sul da Califórnia. Berger e colegas conseguiram aplicar eletrodos no cérebro de ratos e manipular suas memórias. A técnica envolve o hipocampo, parte do cérebro onde as memórias de curto prazo são processadas e arquivados para longo prazo. Usando várias técnicas para visualizar a atividade cerebral, os pesquisadores conseguiram identificar como o hipocampo processa as memórias e até implantaram lembranças de um rato no outro. Testes com humanos podem começar em um ano e meio. "Achava que trabalharíamos com ratos até eu me aposentar", diz Berger. O objetivo é substituir partes defeituosas do hipocampo para tratar problemas de memória.

Outros cientistas também estão começando a manipular neurônios. A equipe de Ed Boyden, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), desenvolveu um meio de ativar os neurônios usando luz. O objetivo é compreender melhor o funcionamento das células nervosas e descobrir tratamentos para doenças graves como a epilepsia.

Mas a integração entre homem e máquina ainda enfrenta sérios desafios. Um deles é como instalar os receptores no cérebro sem causar infecção. Outro é driblar a vida útil curta dos implantes atuais, como o marcapasso. Jose Carmena e Michael Maharbiz, da Universidade de Berkeley, dizem que a solução pode ser a tecnologia de radiofrequência, na qual chips como os de cartões de crédito são energizados pelo sensor que os lê. Eles já conseguiram fazer um macaco controlar programas de computador via interface cerebral. O trabalho de Carmena e Maharbiz é focado nas próteses de membros e agora eles buscam uma maneira de reproduzir o tato em braços e pernas artificiais. "O próximo passo é descobrir como o cérebro aprende a manipular as próteses", diz Carmena.

Ray Kurzweil, diretor de engenharia do Google, pioneiro da leitura ótica e autor do best-seller "A Singularidade Está Próxima" - sobre a possibilidade da inteligência artificial -, enxerga a humanidade caminhando para um novo estágio de evolução com o desenvolvimento veloz da biotecnologia, internet e computação. Questionado se as tecnologias de longevidade não estarão disponíveis inicialmente só para os mais ricos e criarão uma casta de bilionários imortais, Kurzweil usa o exemplo da primeira geração de telefones celulares, símbolo de status dos ultrarricos nos anos 80, em comparação com a onipresença atual dos aparelhos. "Essas tecnologias de ponta só são exclusivas dos ricos quando são uma porcaria."

Em paralelo à ciência de ponta, muitos conceitos no mínimo ambiciosos têm sido discutidos para o futuro. Um deles é proposto por Peter Diamandis, empreendedor do espaço sideral mais conhecido por criar o Ansari X Prize, prêmio de US$ 10 milhões a quem conseguisse atingir a órbita da Terra e vencido em 2004 pelo projeto SpaceShipOne. Diamandis quer minerar combustível espacial e metais preciosos nos asteroides e estima valor de mais de US$ 5 trilhões para um deles. Numa demonstração de ceticismo, a estimativa costuma arrancar risos de muitos. Mas sua empresa, Planetary Resources Inc., já recebeu investimento de Larry Page, fundador do Google, e Eric Schmidt, presidente do conselho da gigante americana da internet.

 "A clonagem mental permitiria a continuidade 
do eu e até a ressurreição, imagina ela. 
A mente poderia ser implantada em uma máquina, 
um robô ou um clone."

Ideias dignas de ficção científica são projetadas por Martine Rothblatt, importante pioneira dos satélites comerciais de comunicação e fundadora da Sirius Satellite Radio. Martine, nascida homem (originalmente Martin), diz acreditar que a tecnologia de clone mental estará disponível até 2045 e argumenta que já vivermos várias "vidas" diferentes - seja nas diferentes mídias sociais visitadas ou nas "máscaras" usadas para o trabalho e outras atividades sociais. A clonagem mental permitiria a continuidade do eu e até a ressurreição, imagina ela. A mente poderia ser implantada em uma máquina, um robô ou um clone.

O cientista de Oxford Anders Sandberg ressalta os perigos de copiar mentes. Sandberg acredita nas simulações como possíveis substitutas das cobaias, mas também suscita dúvidas sobre qual seria o status das consciências engarrafadas. "E se alguém resolver implantar memórias na sua consciência? Ou fazer uma cópia pirata dela? Seria a cópia da consciência considerada um ser vivo? E se cópia e copiado entrarem em desacordo, a consciência extracorporal seria considerada uma escrava?"

O trabalho de Hiroshi Ishiguro, professor da Universidade de Osaka focado em robôs ultrarrealistas, é uma ponte entre os conceitos mais utópicos e aplicações no mundo real. Um dos maiores especialistas em robótica do mundo, Ishiguro avalia que o segredo para popularizar os robôs é a antropomorfia. Defende a necessidade de os robôs terem imperfeições para simular ao máximo os humanos. Um dos projetos de Ishiguro é um robô assexuado, parecido com um bebê e capaz de conversações simples ou de servir como meio de teleconferência. O Telenoid foi testado na Dinamarca como companhia para idosos e pesquisadores relataram boa aceitação.

Ishiguro acha que o melhor formato do "smartphone" é o mais próximo do humano e sugere um futuro em que serão como pequenos bebês, parecidos com seu protótipo dinamarquês. Para incrementar a capacidade de conversação dos robôs, Ishiguro trabalha para fazer suas criações passarem o teste de Turing, prova da capacidade de uma máquina demonstrar inteligência. Algumas das máquinas de Ishiguro já encontraram usos práticos como manequins avançados para eventos no Japão.

Ishiguro costuma levar aos eventos o Geminoid, cópia sua um pouco mais esbelta. Para reforçar a semelhança, Ishiguro e o robô usam a mesma roupa. Há duas semanas, ele andou na Broadway, em Nova York, empurrando o Geminoid, diante dos olhares assustados dos transeuntes nas atulhadas ruas de Manhattan. Visto de perto, o robô não é muito mais que um manequim capaz de expressões faciais. Assustadoramente parecido com seu criador, mas com a fala robótica e ausência de movimentos mais naturais no corpo inteiro, o Geminoid simboliza ao mesmo tempo a vitória e o fracasso do Global Future: ideias ambiciosas mas ainda fonte de desconfortável estranhamento.
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