«Todos os povos, todas as nações, mesmo as mais pobres,
deveriam ter acesso à pesquisa científica»,
considera o padre
argentino José Gabriel Funes, responsável pelo Observatório Astronómico
da Santa Sé.
O sacerdote jesuíta tornou pública aquela prioridade
durante a 5.ª Conferência Mundial Ciência pela Paz, realizada no último
sábado em Milão. Excertos da entrevista ao diário italiano “Avvenire”,
realizada antes do encontro.
Pensa que a ciência pode realmente contribuir para o diálogo entre os povos?
A minha convicção é que existe uma cultura científica
positiva a que todos deveriam poder aceder através dos estudos
escolares. A ciência ajuda a ter espírito crítico e a raciocinar de
modo ordenado. A ciência ajuda a trabalhar em equipa, ensina a
programar o trabalho, a empenhar-se com paciência para obter
resultados. Todos estes são valores essenciais à convivência e ao
crescimento humano, que devem ser difundidos e alcançáveis por todos.
Como é que os cientistas podem contribuir para essa ideia?
Fazendo de modo que nos grandes projetos de pesquisa
científica possam efetivamente trabalhar estudiosos e investigadores de
todo o mundo, incluindo o chamado Terceiro Mundo, que habitualmente é
excluído.
Fala de desafio…
É um desafio, mas também uma questão de justiça. Antes
mesmo que para o campo da pesquisa científica, a difusão a todos os
povos do conhecimento humano é uma questão de justiça. Todos devem
poder estar conscientes de que vivem num planeta que com o universo que
o contém tem 14 mil milhões de anos. Não se pode falar de igualdade se
os homens não têm a igual possibilidade de aceder aos instrumentos do
conhecimento. Nem se não se dá a cada comunidade a mesma possibilidade
de acesso à pesquisa e à evolução científica. Isto seria um caminho
real de pacificação mundial.
Nem toda a ciência produz a paz, sabemos bem…
É verdade, a ciência pode ser usada para o bem, mas
também para matar. Depende de nós. Também isto faz parte do espírito
crítico que a verdadeira ciência ensina a utilizar.
No congresso “Ciência pela Paz” participa numa mesa redonda sobre “Ciência e fé na Europa”.
Sim, e estou contente por participarem pessoas com
ideias distantes das minhas: isto enriquece muito a discussão. Ao mesmo
tempo, sublinho que a ciência em si não é ateia nem crente. Um
conceito que a Igreja evidenciou bem, sobretudo com o magistério de
Bento XVI, que, porém, também sublinhou o perigo de a ciência ser
considerada a única aproximação à verdade e, nesse sentido, tornar-se
fundamentalista. Em vez disso, é preciso ter em conta outros aspetos da
vida e do pensamento humano que não se podem explicar através da
ciência. E também a religião torna-se fundamentalista se não tem em
conta a pesquisa científica.
Neste sentido, o Observatório do Vaticano é um espaço privilegiado.
Em certo sentido, sim. Eu próprio sou um jesuíta e um
astrónomo, um homem de fé e de ciência. E isto responde bem ao mito de
quem está convencido de que todos os cientistas devem ser ateus. No
Observatório faz-se investigação científica como em todos os
observatórios astronómicos do mundo; além disso, contudo, sentimos viva
a missão de envolver, de incluir na pesquisa todos os povos, mesmo os
mais pobres.
Têm algum projeto específico?
A cada dois anos organizamos uma escola de doutoramento
para jovens astrónomos provenientes de universidades de todo o mundo. O
ano passado tivemos 25 estudantes de 22 países. E de religiões
diferentes, mesmo islâmicos, mesmo ateus. Durante quatro semanas
reúnem-se com os melhores professores a nível mundial. Desta forma
fornece-se a estes jovens a oportunidade de estarem inseridos numa
comunidade científica internacional. Comunidade que conserva relações
no tempo, com a possibilidade de colaborações, de troca de ideias, com
bolsas de estudos colocadas à disposição do Observatório. Também por
isto organizamos um encontro com os embaixadores junto da Santa Sé. E
descobrimos que países habitualmente em conflito também podem
colaborar. Assim se pode investir nos jovens, apostar neles e na paz.
Nós fazemo-lo no pequeno mundo da astronomia. Mas pode ser feito em
todos os âmbitos da ciência, a começar pela saúde e alimentação.
Quando será a próxima escola?
Nestes dias fecharam as inscrições para o curso que
decorre em junho de 2014: trata-se do 14.º encontro. Tivemos mais de
140 pedidos mas infelizmente só tínhamos 25 lugares.
Estão previstas outras iniciativas?
No próximo mês de março o Observatório do Vaticano
organiza em Tucson [EUA, onde a instituição tem um observatório] um
convénio internacional com a Universidade do Arizona sobre o estudo dos
planetas extra-solares. Na semana que antecede o encontro vamos
organizar três dias de estudo para jovens astrónomos.
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Reportagem por Roberto I. Zanini
InAvvenire
Fonte: http://www.snpcultura.org/ciencia_deve_ser_para_todos.html © SNPC | 21.11.13
InAvvenire
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