Entrevista da 2ª Alan Weisman, 66
Para escritor, crescimento populacional desenfreado
vai levar a mais problemas ambientais,
desastres naturais e fome
No mundo inteiro, cada vez mais mulheres têm menos filhos ""o suficiente
para que, em algum momento até o fim deste século, a população do
planeta alcance seu auge e comece a decrescer pela primeira vez na
história. Mesmo assim, o escritor americano Alan Weisman acha que não há
motivo para complacência em relação aos riscos da superpopulação.
Weisman, 66, está virando um especialista em examinar os efeitos da ação
dos bilhões de seres humanos vivos hoje sobre o planeta. Seu
best-seller "O Mundo sem Nós", de 2007, é um experimento mental sobre o
que aconteceria com a Terra se o Homo sapiens deixasse de existir da
noite para o dia.
Recentemente, ele lançou "Countdown: Our Last, Best Hope for a Future on
Earth?" ("Contagem Regressiva: Nossa Última e Melhor Esperança para um
Futuro na Terra?"), que imagina uma solução menos draconiana para os
problemas ambientais e políticos do mundo: um esforço consciente para
que todas as famílias do mundo tenham acesso a métodos anticoncepcionais
seguros e baratos, o que garantiria uma população máxima de 9 bilhões
de pessoas em 2100.
Folha - Depois de escrever dois livros sobre como seria bom haver
menos gente no mundo, o senhor já chegou a ser acusado de ser um
misantropo?
Alan Weisman - Eu amo a minha espécie e não acho que estejamos
prontos para a extinção. O que fiz no meu livro anterior (O Mundo sem
nós) foi retirar os seres humanos do quadro de maneira teórica, para
mostrar o tamanho da pressão diária que exercemos sobre o planeta e
pensar "bem, e agora, como fazemos para trazer as pessoas de volta a
esse quadro sem causar tanto estrago?".
Contudo, no epílogo do livro, tive de mencionar um fato perturbador: a
cada quatro dias e meio, estamos trazendo mais 1 milhão de pessoas ao
mundo, e isso não é algo sustentável. E é incrível como quase todo mundo
entendeu isso muito bem e concordou comigo.
Mas embora todo mundo concorde com isso, as pessoas também são
visceralmente contrárias a políticas draconianas como a política chinesa
do filho único. Então minha proposta para o novo livro foi: será que há
uma maneira de lidarmos com a explosão populacional de maneira que não
seja tão dolorosa?
E cada vez ficou mais claro que essa é talvez a única coisa que
realmente podemos fazer para diminuir nosso impacto ambiental. Com mais
gente no mundo, nossas emissões de carbono vão continuar aumentando;
vamos ter mais problemas com eventos climáticos extremos, como os que
acabaram de devastar as Filipinas; os níveis dos mares estão aumentando
e, mais do que isso, estão alterando a própria química dos oceanos, da
qual toda a vida na Terra depende. São coisas perigosíssimas.
Mesmo que fontes abundantes de energia limpa, com emissões de carbono
próximas do zero, sejam descobertas --o que é um bocado improvável--,
simplesmente não há como aumentar a quantidade de terra disponível para
produzir alimentos para toda essa gente --então, a coisa lógica a fazer é
limitar o número de pessoas nas próximas duas ou três gerações.
Um elemento interessante do livro é que, fora exceções como as
Filipinas, a religião parece não ser a grande barreira antiplanejamento
familiar.
Sim, você tem razão. Entrevistei muitos líderes religiosos para o livro,
e poucos realmente se opõem a essa necessidade. Todo mundo costuma
pensar no catolicismo ou no islamismo como os principais inimigos do
planejamento familiar, mas se esquece de que um dos programas mais
bem-sucedidos do mundo nessa área foi idealizado por uma teocracia
islâmica, o Irã.
As Filipinas são, de fato, uma exceção por conta do poder político da
Igreja Católica por lá. Por outro lado, na Itália católica, as mulheres
têm uma das taxas de fertilidade mais baixas do mundo [cerca de 1,4
filho por mulher], porque o nível educacional delas é muito elevado, e a
educação feminina é o melhor anticoncepcional que existe --em vez de
ter sete filhos, a mulher decide terminar a faculdade antes de
engravidar.
No livro, discuto o caso da Costa Rica, onde a Igreja Católica tentou
pressionar os fiéis a não adotarem métodos anticoncepcionais e acabou
perdendo espaço para igrejas evangélicas que incentivavam esses métodos
como paternidade responsável.
O Brasil é uma história de sucesso, vocês já estão abaixo da taxa de
reposição populacional [calculada como 2,1 filhos por mulher; abaixo
disso, a tendência é a população decrescer].
Se não é a religião o principal fator por trás do crescimento
populacional, o que é? Seria ligado ao fato de que, em alguns países, as
pessoas ainda têm medo de não deixar descendentes por causa da alta
mortalidade infantil?
São vários fatores, e um deles é o que você mencionou --em certos países
da África, as pessoas continuam tendo filhos atrás de filhos porque
muitos bebês acabam morrendo.
Mas ainda há, é claro, a mesma razão cultural pela qual, no livro do
Gênesis, os israelitas seguem o mandamento "crescei e multiplicai-vos":
se você tem uma família numerosa e poderosa, seus inimigos têm mais
dificuldade de vencê-lo. E um dos jeitos de conseguir isso é a
poligamia.
Esse tipo de mentalidade ainda é forte mundo afora.
Por outro lado, também no livro do Gênesis, há a história de José [um
dos 12 filhos do patriarca israelita Jacó], que pode ser considerado o
mais antigo ecologista.
Vivendo no Egito, ele observou os sinais de que a região estava prestes a
passar por um ciclo de escassez e aconselhou o faraó e sua família
israelita, dizendo que era hora de conservar, e não de continuar a se
expandir. E foi graças a isso que José decidiu ter uma única esposa e
apenas dois filhos, e ele conseguiu salvar todo mundo da fome que veio
depois.
Nossa situação não é muito diferente, porque chegamos a um ponto em que
será cada vez mais difícil produzir mais comida. Para cada 1ºC de
aumento da temperatura do planeta daqui para a frente, é provável que a
produtividade agrícola caia 10%, por exemplo. Continuar na trajetória de
crescimento desenfreado é uma receita para o desastre.
Nos anos 1960 e 1970, o desenvolvimento de variedades agrícolas mais
produtivas, a chamada Revolução Verde, afastou o fantasma da fome. Não é
natural as pessoas esperarem que novos desenvolvimentos tecnológicos
também resolvam o problema agora?
O que as pessoas têm de entender é que a Revolução Verde foi só uma
solução temporária. Norman Borlaug, o pai da Revolução Verde, que ganhou
o Prêmio Nobel da Paz por isso, usou seu discurso de aceitação do
prêmio para chamar a atenção para o problema do crescimento demográfico.
Embora a Revolução Verde tenha evitado a fome, os tipos de plantio que
ela preconiza não estão mais sendo suficientes em lugares como a Índia.
Uma das experiências mais terríveis que tive foi entrevistar as viúvas
de fazendeiros indianos que se mataram bebendo pesticidas porque suas
terras não têm mais água [as variedades agrícolas ligadas à Revolução
Verde exigem irrigação], eles não conseguiam produzir e estavam
endividados. Mais de 200 mil agricultores indianos se suicidaram.
O senhor também diz que é errada a ideia de que os poucos países com
população em declínio, como o Japão, vão sofrer um colapso econômico.
Por quê?
Por muitos anos, alguns economistas eram grandes fãs do crescimento
populacional, simplesmente porque, com mais gente no mercado de
trabalho, mais barata é a mão de obra.
Todo mundo se diz preocupado com o que vai acontecer com o Japão, com
esse monte de gente idosa e tão pouca gente jovem para sustentar a
aposentadoria deles. O que poucos percebem é que o processo é gradual e,
ao longo de no máximo uma geração, conforme os mais idosos morrerem e
os filhos dos jovens de hoje crescerem, você vai ter é um equilíbrio
demográfico entre as duas parcelas da população de novo.
Com isso, você consegue fazer duas coisas: manter pessoas mais velhas na
força de trabalho por mais tempo, e trazer mais mulheres com bom nível
educacional para a força de trabalho.
Depois de pesquisar e escrever o livro, o senhor está mais ou menos
otimista em relação aos desafios do crescimento populacional?
Estou mais otimista do que me sentia quando comecei a escrever o livro. É
difícil para as pessoas aceitarem que a população precisa começar a
diminuir porque nós passamos por um século inteiro no qual a população
humana quadruplicou.
Só que elas têm de perceber que essa situação é algo anormal, criada por
avanços repentinos na tecnologia médica e na produção de alimentos para
os quais não estávamos preparados.
A boa notícia é que há um tremendo impulso mundo afora em favor de
famílias menores. O planeta está urbanizado, não precisamos mais de
tantos braços para a lavoura.
Outra notícia boa é que não precisamos de nenhuma descoberta dramática
""estamos falando de uma tecnologia da qual já dispomos, e que é muito
barata.
Precisaríamos de apenas US$ 8 bilhões por ano para disponibilizar
anticoncepcionais para todas as pessoas do planeta --isso é o que os EUA
gastavam por mês no Iraque e no Afeganistão anos atrás.
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