Publicamos aqui Declaração de intelectuais católicos sobre o casamento e a família, editada e composta por Joseph Selling, professor da Universidade Católica de Lovaina, após consulta a vários teólogos católicos romanos. A tradução é de Isaque Correa
Eis a declaração.
Em preparação para o Sínodo de 2014 e 2015.
Quando o Concílio Vaticano II elaborou seu documento “Da Dignidade do Casamento e da Família” (Gaudium et Spes,
Parte II, capítulo 1, §§ 47-52), os bispos ouviram as vozes de pessoas
casadas assim como estiveram atentos às suas experiências pessoais. O
resultado foi um ensino renovado e mais realista. No entanto, quando o Sínodo dos Bispos sobre os Direitos da Família,
de 1980, foi preparado e realizado, apenas alguns leigos, escolhidos
cuidadosamente, foram convidados. Eles não apresentaram uma voz crítica e
ignoraram provas evidentes de que o ensino da Igreja sobre casamento e
sexualidade não estava servindo às necessidades dos fiéis. Isso resultou
num Sínodo que não produziu nada útil em termos pastorais.
Exortamos, pois, os fiéis católicos e quaisquer outras partes
interessadas a partilhar suas experiencias e conhecimentos com os
líderes da Igreja e os fazerem saber de seus pensamentos e preocupações.
Algumas das questoes seguintes parecem mecerer especial atenção.
Os líderes carecem de experiência da vida de casados
O fato é que a grande maioria do ensino oficial da Igreja sobre o
casamento e a família foi feito e promulgada por homens que não tiveram
experiência direta, pessoal, da vida de casado no mundo contemporâneo.
Fizeram votos de vida celibatária que excluem qualquer forma de
relacionamento sexual. Como resultado tem-se que pouco se fala, de forma
clara, a pessoas que estão tentando entrar em acordo com a sua
sexualidade, a fim de encontrar e vivenciar relacionamentos
significativos, assim como para se prepararem para uma vida
comprometida, de amor mútuo que possa envolver os desafios da
paternidade.
O casamento existe em múltiplas formas
O documento divulgado para a preparação relativa ao Sínodo, intitulado Lineamenta,
fala do casamento como se houvesse apenas uma forma de relacionamento.
Nele está implicado que todas as famílias são iguais. No entanto, a
experiência dos fiéis mostra que este não é nem histórica tampouco
geograficamente o caso. Pois, mesmo dentro de uma mesma cultura e num
mesmo tempo histórico, há uma multiplicidade nas formas de
relacionamentos conjugais e de estrutura familiar. Além disso, em muitos
casos o matrimônio e a familia não formam a base da estrutura social,
tal como muitos documentos da Igreja dão a entender. Na verdade, estes
são frequentemente as vítmas da pobreza, da guerra, do materialismo, do
abuso de poder, e de uma Igreja que parece não compreender os desafios
que as pessoas casadas enfrentam.
A vida de casado é realmente complexa
Enquanto o documento referido deixa a impressão de que o ensino atual
da Igreja tem sido o mesmo desde os tempos de Cristo, ele não consegue
reconhecer que foi somente no século XII que o casamento foi tomado como
sacramento e que a noção de vínculo indissolúvel, feito por consenso e
pela consumação do sexual, foi criação de forma canônica feita por volta
da mesma época. Enquanto a Igreja sempre ensinou que “o que Deus uniu o
homem não separa” (Mateus 19:6; Marcos 10:9), ela não ofereceu nenhum
critério para determinar o que Deus, de fato, uniu. A experiência tem
demonstrado que simplesmente cumprir o que a forma canônica de casamento
afirma não é garantia de que foi realizado um compromisso genuíno,
informado e sincero.
Quando se torna evidente que nenhum compromisso conjugal existe
verdadeiramente, o que pode levar muitos anos, ou pior: quando um
compromisso conjugal e sincero é desfeito por um parceiro infiel, muitas
vezes as pessoas que sofrem com isso são tidas como culpadas ou
tratadas como pecadores permanentes, em vez de serem confortadas com
perdão e compreensão. Se as pessoas divorciadas no civil tentassem
construir um relacionamento posterior, não raro para oferecer um
ambiente familiar para as filhos, a Igreja institucional, em lugar de
trabalhar no sentido de reconciliação tal como tem feito a maior parte
de nossos irmãos cristãos, responde banindo-os da Eucaristia. Esperar
que estas pessoas vivam vidas celibatárias expõe uma visão severa e
desconfiada quanto à sexualidade humana.
As orientações da Igreja carecem de sensibilidade
Normalmente, para queles que buscam ter relações conjugais pouca
orientação é dada sobre a forma de proceder nesta importante tarefa de
amadurecimento. A preparação para o casamento resume-se, frequentemente,
a evitar qualquer encontro sexual antes das trocas públicas de
compromisso e a evitar o uso de contraceptivo, não importando quais
sejam as consequências que o casal possa vir a ter. As pessoas que se
aventuram em relacionamentos e que podem, até, coabitar junto de um
parceiro (ou parceira) em potencial são, unilateralmente, julgados como
imaturas, egoístas, que não estão dispostos a compromissos sérios e sem
respeito para com as autoridades. Em vez de ajudá-los no que pode ser
uma jornada em vista de um relacionamento duradouro, a Igreja condena-os
como se estivessem vivendo de forma imoral.
O apoio pastoral para os jovens está aquém
Enfrentamos uma comercialização e exploração da sexualidade humana
sem precedentes, especialmente através da comunicação global. Enquanto
que a Igreja foi rápida em condenar o que considera imoral, ela oferece
pouca ajuda positiva para milhões de pessoas – em particular, os jovens –
no que diz respeito a lidar com tais pressões e a desenvolver um
entendimento sadio, amoroso, apreciativo e alegre da sexualidade.
Enquanto que existem muitas regras para ditar às pessoas quanto ao que
(não) fazer, não há praticamente nenhuma ferramenta sendo oferecida que
possa ajudar estas pessoas a navegar nas complexas e turbulentas águas
de se chegar a um acordo com a própria sexualidade.
A discriminação contra homossexuais continua
Embora a Igreja tenha feito algum progresso em aceitar o fato de que
nem todas as pessoas encontram-se chamadas a uma união estável e
heterossexual, ela ainda tem feito muito pouco para promover a aceitação
de indivíduos com orientações sexuais alternativas como membros dignos,
da Igreja e da sociedade. A tarefa de educar os fiéis para o respeito a
todas as pessoas humanas que não estejam em conformidade com as
próprias expectativas pessoais, em particular quando estas pessoas estão
vivendo vidas honradas, ainda está para começar na maioria das
paróquias católicas.
A contracepção responsável deveria ser permitida
Nos últimos 45 anos, a liderança da Igreja tem se agarrado a um
ensinamento sobre a paternidade que exclui praticamente quase todos os
meios de regulação da fertilidade. Após a Gaudium et Spes
ter tentado superar a perspectiva canônica de ver o casamento como uma
instituição, primeiramente, para a procriação e educação dos filhos, o
autor do documento Humanae Vitae,
ignorando o conselho de seu próprio comitê consultivo para avançar com o
ensino sobre o controle de natalidade, reafirmou a noção de que uma
“abertura à procriação” deve ser dada a toda e qualquer ato conjugal,
sexual. Os líderes da Igreja precisam perceber que chegou a hora de
reformar este ensinamento.
Deveria ser deixada para a consciência de cada casal a possibilidade
de eles encontrarem uma maneira responsável de regular a fertilidade,
uma regulação que seja apropriada para a situação particular de cada um
deles. Enquanto que algumas formas de se evitar a concepção podem ser
consideradas abaixo do que seria o ideal, elas não deveriam ser tachadas
como “intrinsecamente más”. Tal terminologia confunde mais do que
esclarece. O uso de contracepção responsável não deveria ser considerado
matéria para o sacramento da reconciliação.
O conselho do laicato sobre a vida de casado é crucial
Por fim, os ensinos oficiais sobre o casamento e a sexualidade, com
base em noções abstratas e ultrapassadas de lei natural – ou pelo menos
em conceitos de sexualidade humana cientificamente mal-informados –,
são, em grande parte, incompreensíveis para a maioria dos fiéis. Os que
ensinam precisam não só compreender o assunto, mas também entender
aqueles a quem tentam ensinar. Acreditamos que tenha sido feita uma
consulta insuficiente com todos aqueles fiéis, representando um amplo
espectro de experiência e reflexão, sem mencionar uma quantia
considerável de conhecimento entre os que são profissionalmente
treinados. Acreditamos ser necessário levar a sério os dados da
experiência humana na formação das orientações pastorais.
Professor Dr. Subhash Anand SJ, Filosofia indiana e Religião (Emérito). Pontifical Athenaeum Jnanadeep Vidyapeeth, Pune, Índia.
Doutor Michael D. Anderson, Membro da American Academy of Family Physicians (Emérito), Minneápolis, EUA.
Doutor Luca Badini Confalonieri, Ph.D em Teologia, pesquisador associado da Universidade de Birmingham, Reino Unido.
Professor Dr. Eugene C Bianchi, Religião (Emérito), Universidade de Emory, Atlanta, EUA.
Professor Dr. Juan Barreto Betancort, Novo Testamento e Línguas Clássicas, Universidade de Laguna em Santa Cruz, Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha.
Doutor B. Linares, Theology, ex-ministro da Educação, Governo de Gibraltar.
Professor Dr. Ricardo Chica, Economia de Desenvolvimento, Diretor do Centro para Estudos Asiáticos, Universidade de Bolívar, Colômbia.
Professor Dr. Michael L. Cook SJ, Estudos Religiosos (Emérito), Universidade Gonzaga, Spokane, EUA.
Professor Dr. James Dallen, Estudos Religiosos (Emérito), Universidade Gonzaga, Spokane, EUA.
Professor Dr. Gabriel Daly, OSA, Faculdade Irlandesa de Ecumenismo, Trinity College, Dublin, Irlanda.
Doutora Annette Esser, diretora do Instituto Scivias para Arte e Espiritualidade, Bad Kreuznach, Alemanha.
Sr. Dr. Jeannine Grammick, ex-professor associado de Matemática na Universidade de Notre Dame, Maryland, EUA. Cofundador do New Ways Ministry.
Professora Dra. Christine Gudorf, Ética Cristã, Universidade Internacional da Flórida, Miami, EUA.
Professora Dra. Karin Heller, Teologia, Universidade de Whitworth, Spokane, EUA.
Doutor Bernard Hoose, Teologia Moral (Aposentado), Faculdades Heythrop, Universidade de Londres, Reino Unido.
Professor Dr. Michael Hornsby-Smith, Sociologia (Emérito), Universidade de Surrey, Reino Unido.
Professor Dr. Jan Jans, Professor associado de Ética, Universidade de Tilburg, Países Baixos.
Professor Dr. Erik Jurgens, Direito Constitucional, Universidade de Amsterdã, Países Baixos.
Professor Dr. Othmar Keel, Exegese do Antigo Testamento (Emérito), Fribourg, Suíça.
Professor Paul Lakeland, Diretor do Centro para Estudos Católicos, Universidade de Fairfield, Connecticut, EUA.
Professora associada Dr. Julia Lamm, Teologioa, Universidade de Georgetown, Washington DC, EUA.
Professor Dr. Bernard Lang, Estudos sobre o Antigo Testamento, Universidades de Paderborn, Alemanha, e Aarhus, Dinamarca.
Professor Dr. Michael G Lawler, Teologia (Emérito), Universidade de Creighton, Omaha, NE, EUA.
Professor Dr. Gerard Loughlin, Teologia e Religião, Universidade de Durham, Reino Unido.
Professor Dr. John B Lounibos, Teologia (Emérito) Faculdade Dominicana, Orangeburg, Nova Iorque, EUA.
Professora Dra. Judith G. Martin SSJ, Estudos da Religião (Emérita), Universidade de Dayton, EUA.
Doutora Rosemary McHugh MedDr MBA MSpir, Médica de família, professora assistente de Medicina Familiar, Chicago, Illinóis, EUA.
Doutor David B. McLoughlin, Professor acadêmico,
Universidade de Newman, Birmingham, Reino Unido. Ex-president da
Associação Católica de Teólogos da Grã-bretanha.
Professor Dr. Norbert Mette, Teologia Prática (Emérito), Universidade de Dortmund, Alemanha.
----------------
Fonte: IHU on line, 22/11/2013
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário