Zizek
é o comunista da mídia. Claro! Agora que ninguém mais é comunista, um
comunista pode ir para a mídia. Principalmente se é o único. Ele fala
coisas interessantes, não nego isso. Mas infelizmente está preso a uma
ideia maldita, uma das ideias mais antifilosóficas que conheço. Ele
acredita que o comunismo ou o socialismo ou o marxismo (tomo isso tudo
genericamente aqui) é como uma ilha de liberdade diante da hegemonia do
capitalismo. Em outras palavras: “comunismo” encerra um espaço
necessário.
Ele não é um tolo que não sabe do
estalinismo e dos problemas todos da barbárie sob o socialismo. Ao
contrário, ele sabe muito bem essa história toda. Marxistas sempre foram
eruditos em marxismo e história do comunismo – até o ponto de serem
chatos, pois alguns podiam contar o que Lênin cochichou com Krupskaia na
reunião do dia tal e tal! Ele fala em ilha de liberdade a partir da
ideia de que, ao menos ele próprio, precisa se colocar em algum polo que
possa funcionar como alguma coisa que tenha um cercado, uma proteção,
para que ali seja feita alguma crítica a um conjunto social e de ideias
que passou a ser aceita como alguma coisa eterna, correta, imutável e
incriticável. Todavia, é justamente essa ideia que não me satisfaz.
Parece razoável essa ideia. Mas ela é a pior possível.
Penso que não preciso nem um pouco de
qualquer coisa do comunismo, a não ser a história de suas cabeçadas,
para poder ficar teórica e praticamente insatisfeito com o mundo
capitalista. Posso fazer de qualquer situação imaginária minha ilha. Mas
posso fazer também a partir de várias situações existentes o meu local
de crítica. Além disso, não preciso em nenhum dos dois momentos chamar
esse meu polo de utópico. Nem mesmo de ideal. Posso simplesmente
deixá-lo como uma clareira que sei que é uma clareira, sem, no entanto,
conseguir visualizar qualquer coisa lá naquele espaço. Minha
insatisfação é tão produtiva quanto qualquer outra, tenha eu ou não um
lugar para apontar como sendo o melhor ou que seria o melhor.
Ideais são uma coisa, utopias são outra
coisa, e possuem sua utilidade, mas não necessariamente a insatisfação e
a crítica precisam delas para funcionar. No pensamento crítico
tradicional o filósofo precisa do ideal ou do utópico para colocar o
primeiro no horizonte e o segundo na imaginação, e, então, a partir daí,
apontar polos podres do lugar em que vive. Mas há modos de pensar que
não repetem o tradicional na crítica.
Creio que é negar a capacidade da
filosofia exigir dela que mantenha a noção de comunismo como um elemento
que aglutina as possibilidades de crítica do capitalismo. Rorty falava
em sociedade futura a partir da ideia de “versões melhores de nós
mesmos”. Versões melhores, sim, mas de nós mesmos. Enfatizo aí o “nós
mesmos”. Não se trata do “novo homem”, mas de nós. Posso gostar de
Thomas Morus (a utopia) ou mesmo de Marx (o comunismo como ideal) para
pensar em polos diferentes do que existente, mas não preciso deles para
ficar incomodado produtivamente com o existente. É isso que Zizek parece
não compreender. Ele insiste em ter um porto para ancorar um navio que
há muito não precisa mais de porto algum. Trata-se de um navio que
produz sua própria energia e tem em seu convés um produtor de alimentos.
Ele jamais precisa voltar ao porto. Ele sequer precisa de bandeira! Nem
mesmo ele tem uma carta de navegação. Ele atravessa nevoeiros
despreocupado às vezes, pois não tendo objetivo muito definido, não
precisa chegar a lugar algum com rapidez.
Zizek quer ser muito imaginativo. Mas,
nesse seu apego ao comunismo, mesmo da forma que faz, apenas como polo
teórico do que é diferente, ele se mostra completamente sem a força
imaginativa que seria próprio da filosofia. Esse seu apego a uma noção
existente o faz não um radical para além de Marx, mas, na verdade, um
conservador. Ora, talvez por isso mesmo, ele seja tão palatável na
mídia. A direita até gosta dele. Gosta de xingá-lo e quando ele fala de
violência, a direita o recrimina e, depois, a quatro paredes diz: é isso
mesmo, é tudo para ser feito a ferro e fogo.
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*Paulo Ghiraldelli, filósofo.
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/zizek-funciona-como-um-conservador/14/11/2013
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