Alberto Carlos Almeida*
Governar é, dentre outras coisas, decidir quem ganhará e quem
perderá. Foi-se o tempo em que o principal perdedor das decisões
governamentais era a população mais pobre do Brasil. De 1980 a 1994,
nada menos do que cinco presidentes ocuparam o Palácio do Planalto,
tivemos 15 ministros da Fazenda, 14 presidentes do Banco Central, seis
moedas e uma inflação anual de 730%. Com uma inflação nesse nível, quem
mais perdia eram aqueles que viviam apenas de seu salário. Todos se
recordam do sindicalista Lula e de sua lista de reivindicações com
frequência encabeçada pelo combate à carestia e ao aumento de preços. Em
1986, o Plano Cruzado e o congelamento de preços resultaram na
repentina redistribuição de renda em favor dos assalariados e dos mais
pobres. Naquele ano, o PMDB, responsável pelo que veio a ser uma
temporária queda da inflação, venceu as eleições para o governo de todos
os Estados do Brasil, com exceção de Sergipe.
De 1995 a 2010, a cadeira de presidente foi ocupada por apenas duas
figuras, tivemos três ministros da Fazenda, cinco presidentes do Banco
Central, apenas uma moeda e uma inflação anual de 7%. Exatamente por
conta de uma inflação tão baixa, Fernando Henrique e Lula foram
reeleitos. Adicionalmente, Lula foi capaz de eleger Dilma sua sucessora.
O que separa os dois períodos é a volta da eleição presidencial. Com
ela, os presidentes foram obrigados, por uma questão de sobrevivência
eleitoral, a atender à maioria da população. Vale chamar atenção para o
contraste: enquanto não havia eleição direta para presidente, a
sobrevivência de quem controlava o Poder Executivo nacional não dependia
do controle da inflação, o eleitor não podia se manifestar sobre isso. O
grande perdedor da política econômica que vigorou até 1994 foi a
população pobre e os grandes ganhadores do que ocorreu depois foram os
mesmos pobres.
Na história recente do Brasil, durante o governo Lula, ficamos todos
com a impressão de que a política econômica apenas gera ganhadores.
Viveu-se um período de grande liquidez internacional, preços de
commodities em alta, juros americanos em baixa. O resultado foi que
todos os grupos sociais melhoraram de vida. Tratou-se de uma
unanimidade. Empresários, trabalhadores, campo, cidade, todos ganharam
durante o governo Lula. Os períodos de bonança escondem que, sempre,
quando há ganhadores, há também perdedores. Neste caso, quando todos
ganham, há aqueles que ganham menos e os que ganham mais. No período
Lula, o grupo social que mais ganhou foi a base da pirâmide. Houve um
aumento vigoroso da renda real dos mais pobres, enquanto o aumento da
renda daqueles que têm curso superior completo não foi tão grande assim.
O resultado disso foi a redução da desigualdade de renda no Brasil,
fartamente documentada pelas várias medições e estudos produzidos pelo
IBGE e pelo Ipea.
A política econômica que resulta na redistribuição de renda tem
vários componentes, e um deles é o câmbio. Quando o real fica valorizado
frente ao dólar, a indústria perde e a população ganha por meio de seu
impacto no controle da inflação. A população não tem conhecimento
técnico sobre taxa de câmbio, comércio exterior ou mecanismos de redução
de preços domésticos vinculados aos termos de trocas internacionais.
Quando se trata de câmbio, o que a população tem de conhecimento, e a
maneira como ela expressa esse saber, vem por meio da comparação entre o
real e o dólar. O real pode estar mais ou menos forte frente ao dólar.
Foi assim que perguntamos, em uma pesquisa nacional, o que acontecia
quando o real ficava mais forte frente ao dólar. Dadas quatro opções de
resposta, 25% afirmaram que é bom para a população pobre, é bom para o
povo; 19% disseram que os preços dos alimentos ficam mais baratos; 16%
responderam que é bom para os empresários; 15% consideraram que fica
cada vez mais difícil para os exportadores venderem produtos para outros
países. Chama atenção que 23% não tenham respondido a essa questão,
mesmo recebendo opções de resposta. Isso mostra quão distante está esse
assunto de grande parte da população.
Na sequência, foi perguntado o que era melhor: ter menos empregos na
indústria, mais empregos no comércio e preços mais baixos, ou ter mais
empregos na indústria, sem que sejam gerados empregos no comércio e
preços mantidos. Respostas: 51% preferiram a primeira opção e 29%, a
segunda. Mais uma vez, a não-resposta foi elevada: 20%.
A divisão regional dessa resposta é reveladora de quanto a região Sul
se sente dependente dos empregos industriais. Foi lá que se obteve a
maior proporção daqueles que preferem mais empregos na indústria, mesmo
com menos empregos no comércio: 44%. No Nordeste, apenas 19% ficaram com
essa escolha. No Sul, a mão-de-obra é mais qualificada e a indústria,
comparativamente ao comércio, exige isso. Ao passo que a recente
prosperidade da população nordestina tem a ver com a expansão do
comércio.
Igualmente interessante é a visão de mundo de quem completou a
faculdade, aqueles que têm educação formal mais avançada. Nada menos do
que 37% desse grupo afirmam que, quando o real fica mais forte frente ao
dólar, é mais difícil para os exportadores venderem produtos para
outros países. Uma proporção muito acima da média nacional de 15%. Por
outro lado, esse mesmo segmento da população considera que é melhor ter
menos empregos na indústria: 61% pensam assim. Isso certamente reflete o
fato de as pessoas com grau superior completo estarem em sua grande
maioria empregadas no setor de serviços. Sentem-se, portanto, pouco
dependentes dos empregos gerados pela indústria.
As nuances e os detalhes da política econômica não podem ser
decididos ao sabor do que pensa a população ou do que deseja o
eleitorado. A dimensão do Brasil, o tamanho de nossa população, a
complexidade de nossa economia e todos os interesses envolvidos na
disputa política condicionam inúmeras decisões. Nesse caso, pode não ser
recomendável para o Brasil depender economicamente apenas de um
determinado segmento da economia. Ainda que haja vantagens comparativas e
vocações, como parece ser o caso da exportação de commodities, pode ser
desejável que o Brasil seja economicamente diversificado. Tão ou mais
importante do que isso são os interesses estabelecidos. As decisões
políticas não são tomadas no vácuo. Vários interesses são levados em
conta e o peso relativo de cada um varia conforme o tipo da decisão e
quando ela é tomada.
A eleição presidencial lida com o interesse da grande maioria da
população - e isso pode variar entre países e entre questões. No Brasil,
a política externa, por exemplo, não mobiliza o eleitorado como nos
Estados Unidos. A diferença é inteiramente compreensível: a inserção
internacional daquele país é imensamente maior do que a nossa. Nos
debates da eleição presidencial americana, a política externa é um dos
temais mais importantes. Mobiliza o eleitorado, divide preferências e
influencia o voto. Isso não acontece no Brasil. Resultado: a margem de
manobra de nossa elite política, quando se trata de política externa, é
muito maior do que a da elite política dos Estados Unidos - nossos
políticos não estão tão restritos ou condicionados pela visão do
eleitorado.
A economia é importante em qualquer lugar do mundo. No caso do
Brasil, ainda em uma comparação com os Estados Unidos, pode até ser que o
peso relativo dos resultados da política econômica seja maior. O motivo
é simples: a população vive mais próxima da pura e simples
sobrevivência do que os americanos. O bem-estar do eleitorado, traduzido
em aumento real do poder de compra, é variável-chave para explicar
tanto a popularidade presidencial quanto, tem sido assim nos últimos
pleitos, o resultado eleitoral.
Diz-se que todos os caminhos levam a Roma. A frase tem a ver com a
grande importância que o Império Romano teve para o Ocidente: foi, um
dia, o umbigo do nosso mundo. No Brasil, todos os caminhos levam ao
controle da inflação. Seja por meio de aumento de juros, como mostrei há
um mês nesta coluna, seja por meio de um câmbio que deixe, na linguagem
da população, o real forte frente ao dólar.
---------------------------
* Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
Fonte: Valor Econômico on line, 29/11/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário