Rubem Alves*
Na noite seguinte, acesas as lâmpadas de azeite, quando Mestre Benjamin
se assentou sua tenda já estava cheia. Uma jovem mulher levantou sua
mão. Tinha um rosto de menina, lábios inchados de quem leva uma
criancinha dentro da barriga. E o tamanho da sua barriga anunciava que
em breve a criancinha iria nascer.
“Mestre Benjamin, o senhor contou da visão do profeta que anunciava que a esperança estava numa criancinha... Isso me fez sonhar que essa criancinha poderia ser o meu filho...! Conte-nos mais sobre essa criança...”
Mestre Benjamin sorriu como sempre e começou:
“As estórias têm asas. Foram muitos os viajantes que acolhemos e que se assentaram conosco. Eles ouviram as nossas estórias. Acontece que as estórias são inesquecíveis. Ao partirem eles as levaram consigo à semelhança das gralhas azuis que levam pinhões nos seus bicos e os plantam bem longe. Por onde iam eles as contavam. Até que as estórias chegaram aos ouvidos de três sábios que se dedicavam a observar as estrelas por acreditar que a solução dos enigmas da terra se encontra desenhada nos céus.
Passaram então a vigiar os céus, certos de que um evento assim tão maravilhoso seria anunciado pelas estrelas. Ela apareceu sem se anunciar, enorme, com sete cores, diferente de todas as estrelas que eles haviam visto. ‘Só pode ser essa estrela’, eles disseram ao vê-la.
“Mestre Benjamin, o senhor contou da visão do profeta que anunciava que a esperança estava numa criancinha... Isso me fez sonhar que essa criancinha poderia ser o meu filho...! Conte-nos mais sobre essa criança...”
Mestre Benjamin sorriu como sempre e começou:
“As estórias têm asas. Foram muitos os viajantes que acolhemos e que se assentaram conosco. Eles ouviram as nossas estórias. Acontece que as estórias são inesquecíveis. Ao partirem eles as levaram consigo à semelhança das gralhas azuis que levam pinhões nos seus bicos e os plantam bem longe. Por onde iam eles as contavam. Até que as estórias chegaram aos ouvidos de três sábios que se dedicavam a observar as estrelas por acreditar que a solução dos enigmas da terra se encontra desenhada nos céus.
Passaram então a vigiar os céus, certos de que um evento assim tão maravilhoso seria anunciado pelas estrelas. Ela apareceu sem se anunciar, enorme, com sete cores, diferente de todas as estrelas que eles haviam visto. ‘Só pode ser essa estrela’, eles disseram ao vê-la.
Prepararam-se então para a grande viagem em busca do Deus que brinca. Muito caminharam por areias brancas e desoladas. Até que viram ao longe o lugar que a luz da estrela iluminava. Era uma estrebaria, morada de animais. Bois, vacas, jumentos e ovelhas estavam à volta do cocho onde o menininho dormia. As lâmpadas estavam apagadas porque milhares de vagalumes tudo iluminavam. Ao ver o menininho eles riram de alegria, depuseram sua velhice ao lado da estrebaria e voltaram felizes para suas casas correndo e pulando como crianças.
Essa criança trazia uma esperança diferente de todas as esperanças. Os reis, os generais, os poderosos pensam que a paz se constrói com poder da espada. Mas essa nova esperança dizia que a paz seria trazida por um menino pequeno que trás nas mãos não uma espada mas um brinquedo. Deus é criança! Deus é manso. Deus brinca conosco. Os que brincam são incapazes de fazer a maldade.”
O rosto de Mestre Benjamin se abriu num sorriso.
“Acabo de me lembrar de um poema sobre esse Deus menino escrito por um poeta manso chamado Alberto Caeiro. Tomou o livro de Poesias nas mãos, procurou e começou a ler:
‘Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra
Tornado outra vez menino.
Tinha fugido do céu.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
A o fim do dia eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.’”
Mestre Benjamin se calou. A mocinha grávida então lhe perguntou:
“Mas como é que ele trará paz ao mundo?”
“Ele trará paz ao mundo contando estórias. A palavra é o começo de tudo. Com a palavra o universo começou. Com a palavra nós começamos. Somos poemas encarnados. Somos as estórias que moram em nós. Se as palavras que moram em nós formarem estórias belas, seremos belos e bons. Algumas das estórias belas que moram em nós foram contadas pelo ‘Senhor das Estórias’”.
“Mas como é que as estórias transformam as pessoas más em boas?”
Mestre Benjamin deu uma gargalhada.
“Quem gosta de pipoca?”
Todo mundo respondeu, rindo: “Eu gosto, eu gosto...”
“Pois nós somos iguais à pipoca. Pipoca é um milho mirrado, duro, não serve para nada. Mas se colocarmos os grãos duros numa panela com azeite e os levarmos ao fogo, de repente eles começam a estourar e viram uma coisa completamente diferente, uma flor branca, macia, gostosa. Essa flor branca e gostosa já estava dentro do grão mirrado e duro da pipoca. O fogo só faz a flor sair para fora... Assim somos nós. Temos grãos duros de pipoca na alma. Quando as estórias são contadas os grãos de pipoca estouram e a flor que havia neles desabrocham para o lado de fora com um estouro!”
“Conte-nos algumas de suas estórias!" pediu a mocinha grávida.
Mestre Benjamin respondeu: “Amanhã eu conto. Já é tarde”.
Quando saíram da tenda todos olharam para os céus. Vênus brilhava enorme no poente. Mestre Benjamin, sorrindo, disse à mocinha: “Tenho um palpite de que você vai ter a graça de dar à luz o seu filhinho nessa noite. A Estrela Vespertina está me dizendo...”
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* Teólogo. Poeta. Escritor. Educador.
Fonte: Jornal Popular on line, 10/11/2013
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