domingo, 24 de novembro de 2013

Cristo Rei: Venha a nós o vosso Reino

José Tolentino Mendonça*
Imagem
O que podemos dizer do Reino de Deus é que ele é inseparável de Jesus, deste agora da salvação de Deus, deste transbordar da sua graça na história. É inseparável deste rasgar da história aos pobres e infelizes, deste bálsamo derramado aos corações quebrantados, desta palavra de alento aos que já não esperavam nada. Deste aproximar das vidas concretas à possibilidade da salvação de Deus. Onde Jesus Cristo chegava, chegava o Reino. Onde Jesus Cristo estava, o Reino de Deus mostrava-se. Quando as pessoas tocavam em Jesus, estavam a tocar no Reino, quando O viam estavam a vê-lo. Quando escutavam as suas parábolas estavam a escutar a gramática insuspeita do Reino. Jesus viveu a sua vida como esta manifestação extraordinária do Reino. O Reino de Deus coincidia com a presença de Jesus, e que efeitos extraordinários, esta chegada de Jesus, provocava em tantas vidas.

Gente que se julgava morta, gente que se acreditava perdida, num emaranhado de existência que não conseguia deslindar... em Jesus Cristo encontrava a possibilidade de uma vida nova. Pensemos em Maria Madalena, aquela de quem Jesus retira sete demónios. Nós não fazemos ideia do que é estar possuído por sete demónios... Imaginamos é o que interiormente seja, de dispersão completa, estilhaçamento, incapacidade de estar em si. A verdade é que esta mulher, rejeitada, perdida de si mesma, encontra-se em Jesus Cristo e nele reencontra o desejo de ser. Pensemos na vida dos próprios discípulos, que com certeza já sabiam muitas coisas acerca de Deus, mas que em Jesus Cristo ouvem o que não sabiam. Eles já sabiam andar de barco no mar da Galileia, mas não sabiam andar sobre as ondas; eles já sabiam amontoar e repartir o pão, mas não sabiam multiplicá-lo;  não sabiam que o pão também pode saciar uma fome interior, uma fome do coração.

Pensemos nos pecadores, naqueles que eram apontados a dedo e de quem se dizia: "não têm possibilidade de salvação”. Com que surpresa Zaqueu desceu daquela árvore para acolher Jesus em sua casa. Ou Levi, se levantou da seu posto de cobrança para se tornar discípulo do Senhor... Isto é o Reino de Deus presente. Isto é o Reino de Deus atuante, um Reino sem fronteiras, não segundo a lógica dos homens, mas numa torrente do amor divino que vai crescendo, crescendo, como uma maré que quer tocar tudo e todos.

«O Reino de Deus já está presente no meio de vós.» Não digamos está aqui ou além. O Reino de Deus está presente como uma realidade em si. O Reino de Deus depende de Deus e não desta nossa tentação de limitar, de criar fronteiras, de separar. «Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: “ A vinda do Reino de Deus não é observável, não se pode dizer: Ei-lo aqui, ou ei-lo ali. Pois, eis, que o Reino de Deus está no meio de vós"» (Lc 17,20-21).

Este é o grande anúncio de Jesus: «O Reino de Deus está no meio de vós!» Está dentro de nós, no meio do mundo, no interior da História como semente... É este o maravilhoso tesouro a descobrir. Deus já está presente! E o que precisamos, é de nos tornar sensíveis a essa presença. O Reino de Deus é já uma realidade, é já um fermento... E se é verdade que o Reino de Deus é também uma realidade escatológica, uma realidade do futuro, uma coisa que a gente já vê, mas que ainda há-de chegar na sua plenitude; que neste momento existem sinais; a verdade é que sabendo nós embora que ele é dom futuro, o Reino de Deus é já uma realidade do hoje da minha vida. Hoje a minha vida está envolvida pelo Reino de Deus. «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como.» (Mc 4,26-27).
Como diziam os alquimistas medievais: «Sem um pingo de ouro, não se consegue fabricar o ouro». Sem um pingo do Reino de Deus nós não conseguimos construir o Reino de Deus, não conseguimos pedi-lo, não conseguimos esperá-lo. O Reino de Deus é, no fundo, o resumo de toda a esperança. É aquela realidade de Deus que se entrosa misteriosamente com as esperanças mais íntimas, mais fundas. Porque no Reino de Deus, nós temos a plenitude, temos a concretização do amor de Deus. 

Basta-nos o Reino de Deus e tudo o resto é acréscimo. E tudo o resto é relativo...
 ---------------------------
* Teólogo. Escritor. Poeta.
Fonte: Pai nosso que estais na terra, ed. Paulinas
Imagem:  Cristo e a mulher samaritana (det.) Duccio

Nenhum comentário:

Postar um comentário