domingo, 3 de novembro de 2013

A ESPERANÇA

 Rubem Alves*
Na noite seguinte um homem perguntou: “Mestre Benjamin, o que é a esperança?”.

Mestre Benjamin acariciou a barba e fechou os olhos. Procurava adivinhar as razões porque aquele homem lhe fazia aquela pergunta. Seu rosto tinha as marcas do desânimo. Era possível que a pequena chama estivesse se apagando... Assim, tratou de responder à dor que se escondia na pergunta.

“A esperança serve para dar alegria aos tristes. Ela é uma estrela. Estrelas não aparecem durante o dia. Estrelas só brilham durante a noite. Somente aqueles que caminham de noite podem vê-las.”

“Mas as estrelas estão muito longe, nos céus. Como podem elas alegrar os tristes da terra?”, continuou o homem.

“Você está certo. As estrelas estão muito longe. São inatingíveis. É possível que muitas das estrelas nem mais existam... ‘Mas que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?’ (Valèry) O que não existe pode nos ajudar? Os sonhos... Os sonhos não existem. No entanto é com os sonhos que os que não têm esperança se alimentam.

‘Se as estrelas são inatingíveis
isso não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
a mágica presença das estrelas...’ (Mário Quintana)”

Mestre Benjamin voltou-se para o seu lado direito e tomou nas suas mãos um grosso pergaminho que foi desenrolando cuidadosamente até que parou diante de um texto.

“Aqueles que vêem as estrelas ora são chamados de poetas, ora de profetas. Foi durante uma noite muito escura que um profeta viu essas estrelas inatingíveis.

‘Que o deserto e a terra sedenta se alegrem,
que as caatingas e os cerrados se regozijem e se transformem em flores! Que se cubram de lírios.
Que se regozijem e gritem de prazer!
Fortalecei os braços fracos,
Fortificai os joelhos vacilantes!
Dizei aos ansiosos: Não há razões para medo!
Porque se abrirão os olhos aos cegos
E os ouvidos dos surdos ouvirão,
Os aleijados saltarão como cabritos,
E a língua dos mudos cantará.

Águas rebentarão nos desertos e riachinhos nos lugares abandonados. A areia esbraseada se transformará em lagos e a terra sedenta em mananciais de águas. Onde outrora viviam os chacais crescerão as pastagens com papiros e juncos. E os caminhos serão caminhos de prazer. Quem por eles caminhar não se perderá, nem mesmo os loucos.’ (Isaías, 35)

‘E as espadas serão transformadas em arados

E as lanças em tesouras de podar.

O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo se deitará junto com o cabrito. O bezerro, o leão novo e o animal cevado serão amigos e uma criança os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, o leão comerá palha com o boi e a criança de peito brincará sobre o ninho da cobra e o recém-desmamado enfiará a mão na toca da serpente.’ (Isaías 35, 2, 4)

‘Aqueles que andavam nas trevas verão de novo raiar o dia, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandecerá a luz. Porque todas as botas com que andam os guerreiros no tumulto da batalha e toda farda manchada de sangue serão queimadas, serão lenha para o fogo. Porque um menino nos nasceu e um filho se nos deu. E dos risos dessa criança nascerá a sabedoria, e da sua mansidão surgirá a força, e nos seus olhos brilhará a eternidade, e haverá paz sobre toda a terra.’ ( Isaías 9: 2-7; paráfrase).”

Mestre Benjamin continuou: “A esperança vê o que não existe no presente. Existe só no futuro, na imaginação. A imaginação é o lugar onde as coisas que não existem, existem. Esse é o mistério da alma humana: somos ajudados pelo que não existe. Quando temos esperança o futuro se apossa dos nossos corpos. E dançamos. O poeta que escreveu esses poemas estava embriagado de esperança. E quem é possuído pela esperança fica grávido de futuros.

Vou ler para vocês palavras de um homem que a vida toda ouviu a música do futuro. Muitos acharam que ele era louco e não entendiam o que ele falava. Só o entendiam aqueles que se alimentavam de esperança. O homem se chamava Friedrich Nietzsche.
‘Acordai e ouvi, vós que estais sozinhos.

Do futuro vêm ventos com bateres de asas secretos; e boas novas são proclamadas a ouvidos delicados.

Vós que hoje estais sozinhos, vós que sois retirantes, um dia sereis o povo: de vós, que escolhestes a vós mesmos, crescerá um povo escolhido – e dele, o homem transbordante.
Na verdade a terra ainda se tornará num lugar de recuperação.

E já agora uma nova fragrância o envolve,
trazendo salvação e uma nova esperança.’

O mais surpreendente nisso tudo é que a estrela inacessível tem um rosto de criança... Aqueles que ouvem a melodia do futuro plantam árvores à cuja sombra nunca se assentarão. Mas não importa. Eles se alegram imaginando que as crianças amarrarão balanços nos seus galhos...”
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* Teólogo. Escritor.
Fonte: Correio Popular on line, 01/11/2013
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