Marcelo Gleiser*
Sem telescópios cada vez mais poderosos, a ciência e o nosso conhecimento dos céus estagnariam
O pensador francês do século 17 Bernard Le Bovier de Fontenelle bem que
avisou: "Toda filosofia se resume a duas coisas: curiosidade e miopia: o
problema é que queremos ver mais longe do que enxergamos".
Perfeita a frase como definição da empreitada da astronomia: ver mais
longe e mais claramente, tentando aliviar nossa miopia com relação aos
mistérios do Universo.
De fato, podemos contar a história da astronomia como uma história da
evolução dos telescópios e do que foram capazes de enxergar.
Eis o desafio: fontes distantes de luz e de outras formas de radiação
são extremamente fracas. Sua intensidade cai com o quadrado da
distância. O que vemos a olho nu, não mais do que alguns milhares de
estrelas, é uma fração ínfima do que está "lá fora". Pense que, só na
nossa galáxia, são mais de 200 bilhões delas. E são mais de 200 bilhões
de galáxias espalhadas pelo Universo.
A solução é construir "baldes de luz", telescópios capazes de coletar o
máximo de luz possível proveniente de fontes que muitas vezes estão a
bilhões de anos-luz daqui. A luz que os maiores telescópios coletam
agora deixou algumas dessas fontes antes de a Terra se formar, 4,6
bilhões de anos atrás.
A astronomia moderna precisa de telescópios cada vez mais poderosos,
capazes de fornecer detalhes cada vez mais precisos de fontes cada vez
mais distantes. Sem isso, a ciência e o nosso conhecimento dos céus
estagnariam. Para ser competitiva, a astronomia de ponta e os astrônomos
que a praticam precisam ter acesso a essas máquinas, que trazem os
confins do Universo até nós. Astrônomos que hoje não têm acesso aos
maiores telescópios estão fadados a praticar uma astronomia antiquada e
com poucas chances de grandes descobertas.
Como na física de partículas, onde máquinas custam bilhões de dólares,
na astronomia de ponta os custos também são altos. Existe uma competição
saudável entre grupos de países diferentes, cada qual com seus
telescópios e projetos para construir outros mais poderosos.
O ESO (Observatório Europeu do Sul) opera, por exemplo, em alguns locais
no Chile, onde estive recentemente. Em particular, visitei o VLT (Very
Large Telescope), um grupo de quatro telescópios.
O ESO tem planos de construir um telescópio ainda maior, o E-ELT
(Extremely Large Telescope) nos próximos anos. O ELT será um gigante,
capaz de ver o que nunca foi visto, como planetas semelhantes à Terra
girando em torno de outras estrelas, as estrelas mais antigas ou o
coração de buracos negros.
Enquanto isso, os EUA, a Austrália e a Coreia do Sul planejam o GMT
(Giant Magellan Telescope), também no Chile. Esses instrumentos prometem
revolucionar nosso conhecimento do Cosmo.
E o Brasil? Infelizmente, a comunidade astronômica brasileira se vê
dividida entre as possíveis opções, dados os fundos escassos.
Existe um projeto já avançado de o Brasil se juntar ao ESO como país
membro, mas ainda atravancado no Legislativo. A Fapesp deve anunciar em
breve acordo para participar do GMT. Enquanto as desavenças criam ainda
mais obstáculos, quem perde é a competitividade de nossa astronomia que,
sem acesso a esses novos olhos, sofrerá de miopia crescente.
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