José Tolentino Mendonça*
O vocabulário bíblico da Fé pode ensinar alguma coisa a
quem se questiona no século XXI sobre a relação com Deus? A Bíblia
define a Fé sobretudo de dois modos: como temor de Deus e como
confiança. Parecem coisas completamente inconciliáveis, mas talvez não
sejam. A Fé para ser experiência vital deve misturar ambas.
O temor de Deus tem o seu fundamento na consciência da alteridade de Deus. Deus é Deus. Quer dizer: Deus é (e há de continuar) uma pergunta infinita; é Todo-Outro, transcendente e pleno de mistério. Temor, porém, não quer dizer medo: é precisamente o resultado da anulação do medo e da sua substituição por um misto de reverência perante a imensidão de Deus.
O temor de Deus tem o seu fundamento na consciência da alteridade de Deus. Deus é Deus. Quer dizer: Deus é (e há de continuar) uma pergunta infinita; é Todo-Outro, transcendente e pleno de mistério. Temor, porém, não quer dizer medo: é precisamente o resultado da anulação do medo e da sua substituição por um misto de reverência perante a imensidão de Deus.
Vista dessa perspetiva, a Fé é o modo de permanecer
fiel a este Deus cuja transcendência é compreendida não como terrífica
ou paralisante, mas sim suscitadora de uma abertura orante. Esta é, por
exemplo, a Fé de Job que, quando confrontado com a omnisciência de
Deus, diz: «Vou pôr a mão na boca, e não volto a dissertar
insensatamente sobre Deus» (Job 39, 37-38). E, no mesmo sentido, a de
São Gregório Palamas, teólogo do século XIV: «A natureza de Deus não
pode ser pensada, nem vista, nem dita, porque está distante de todas as
coisas. Não existe nome para mencioná-la, nem neste século, nem no
futuro; e nenhuma palavra encontrada na alma e proferida pela língua,
nem qualquer imagem pode dar-nos o Seu conhecimento. Para nomear Deus é
preciso renunciar a tudo o que é ou pode ser nomeado».
A Fé provoca sempre a desarrumação dos nossos saberes e
razões e mergulha-nos no silêncio. Os crentes não têm a cabeça cheia
de ideias sobre Deus. Quanto mais se vive de Deus menos se sabe,
ensinam os místicos.
Mas a Fé não se fica apenas pela purificadora
consciência do que nos distancia de Deus. A Fé é o impossível da
presença tornado possível pelo próprio Deus. Ele toma a iniciativa do
encontro e a Fé explica-se então como revelação, história comum,
amizade partilhada. Por isso, sem a semântica da confiança ninguém
consegue descrever a Fé.
O escritor italiano Erri di Luca, que vive numa grande
dilaceração entre crer e não-crer, escreve de forma muito pertinente
que a Fé é deixar de tratar Deus pela terceira pessoa e passá-lo a
tratar pela segunda (Tu ou Vós). O próprio termo bíblico guarda uma
variante riquíssima de sentidos que vai nessa linha: significa «estar
seguro em» e alude, igualmente, à estreita relação que existe entre a
mãe que aleita e a criança que é objecto desse carinhoso cuidado.
Jesus, que para os cristãos é não só objeto de Fé mas
também seu modelo, soube chamar por Deus como a criança fala com o seu
pai, com a mesma simplicidade, a mesma intimidade, o mesmo abandono
confiado. Lição a redescobrir para fazer da Fé uma experiência vital.
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* Poeta. Escritor. Teólogo.
In Renascença
Fonte: http://www.snpcultura.org/a_fe_e_uma_crianca_nos_bracos_do_pai.html22.11.13
In Renascença
Fonte: http://www.snpcultura.org/a_fe_e_uma_crianca_nos_bracos_do_pai.html22.11.13
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