Conrado Navarro*
Marília comenta: “Navarro,
eu estou tentando entender melhor como não sucumbir às principais
armadilhas de consumo do final de ano e quero evitar um problema
frequente que é ter que comprar presentes para os filhos no Natal e,
depois dessa época, ainda gastar por conta de presentes prometidos que
não foram encontrados antes da virada. Isso é comum? Fica o alerta aos
leitores. Cuidado”.
Vamos imaginar grandes lojas de varejo e
comerciantes que vendem brinquedos durante o ano todo. A época de final
de ano é especial e reconhecida por ter suas vendas aquecidas pelos
desejos das crianças e pela maior insistência das fabricantes através de
campanhas publicitárias em decorrência das compras de Natal.
Pense
como um empresário do ramo. Vamos vender o máximo possível agora e
simplesmente fechar a loja em janeiro e fevereiro, ainda mais no Brasil,
em que “as coisas só voltam a funcionar depois do Carnaval? Ou, se
falamos do fabricante, vamos fechar a fábrica depois do período das
compras de Natal? Claro que não, afinal de contas é preciso vender,
faturar e “girar” o estoque (e a produção) todos os meses.
Somos programados para comprar?
Sabe
o que acontece? Os pais são programados para comprar presentes no Natal
e também depois da passagem do ano, ainda que estejam em condições
financeiras mais frágeis ou mesmo sem dinheiro. Isso mesmo! Estes pais
são induzidos, por uma norma social, a comprar nas duas ocasiões.
Como
assim? É simples: as fabricantes de brinquedos lançam novidades
fantásticas nesta época e “bombardeiam” as crianças com propagandas
sobre elas. Provocam os pequenos a ponto de eles desejarem
incondicionalmente tais brinquedos e pedirem aos pais que eles sejam
dados no Natal.
Eis que os mesmos fabricantes começam a entregar
os brinquedos para as lojas, mas em quantidades menores do que a
demanda. As novidades se esgotam rapidamente, mas muitas outras opções
(não aquelas que as crianças desejam) permanecem disponíveis. A esta
altura os pais já prometeram aos seus filhos fazer de tudo para que o
Papai Noel traga a grande novidade – e quebrar essa promessa não parece
uma boa ideia.
O compromisso é confrontado com a escassez. O resultado?
Os
pais ouvem o discurso padrão de que “a novidade vendeu tanto que se
esgotou”, mas não podem ir para casa de mãos vazias. Eles acabam
comprando outros presentes para o Natal, quase sempre gastando um valor
semelhante ao que gostariam de ter dado (de uma certa forma, querem
“compensar” o filho pela “falha”).
Chega o Natal, os filhos
ganham muitos presentes, se divertem, mas fazem questão de lembrar os
pais de que aquele não foi o “acordo”. Cobram a grande novidade e
carregam os pais de culpa em um momento recheado de fortes cargas
emocionais. Aquilo fica na cabeça desses pais por algum tempo.
O
que acontece em janeiro e fevereiro? A novidade prometida para o Natal
volta às lojas, com um preço mais interessante, oferecido quase que como
um “achado”. Os pais vão imediatamente comprar o brinquedo e o levam
para casa felizes por poder honrar o combinado com os filhos semanas
atrás. E gastam dinheiro para isso – por vezes, um dinheiro que eles não
têm. Em pouco tempo, os pais gastaram muito dinheiro (e garantiram o
Natal e o início de ano das lojas e fabricantes de brinquedos).
Compromissos exigem coerência
Vamos
recapitular? Logo que a novidade foi lançada, os filhos bombardearam os
pais com seus pedidos para as compras de Natal. Cena comum, os pais
tomaram nota do desejo dos filhos e prometeram correr atrás de seu
desejo. Neste momento, pais e filhos firmaram um compromisso, selaram um
acordo.
Vocês notaram o que aconteceu nesta história? Os pais
simplesmente agiram com coerência! Ao se comprometerem com seus filhos,
os pais simplesmente buscaram honrar o acordo, o que é um ato social
comum e desejável na nossa sociedade – cumprir uma promessa é ser
coerente e considerado de bom grado.
Conclusões
Calma!
Antes de sentir-se lesado e enganado, entenda que as normas sociais
usadas para nos fazer consumir mais são também responsáveis por
relacionamentos melhores e maior sinceridade na relação familiar.
Compromisso e coerência são aspectos muito importantes e positivos do
caráter de uma pessoa. Ponto.
O aspecto central da história contada hoje é outro: nosso processo de tomada de decisões envolve aspectos subjetivos e emocionais em cargas muito elevadas.
Basta se lembrar de que muitas vezes nos endividamos além da conta para
satisfazer promessas e compromissos, quando o correto seria respeitar
os limites e lidar com a frustração.
Daí que o problema não é
comprar agora e comprar de novo, mas sim definir prioridades em conjunto
com a família – de modo que consumir será sempre natural e desejável
desde que os objetivos principais da família sejam respeitados antes,
durante e depois dos apelos de consumo. Não é fácil, mas isso você já
entendeu. Boa sorte.
Foto “Excited kids”, Shutterstock.
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* Educador financeiro, tem MBA em Finanças pela UNIFEI. Sócio-fundador do Dinheirama, autor dos livros "Dinheiro é um Santo Remédio" (Ed. Gente), “Vamos falar de dinheiro?” (Novatec) e "Dinheirama" (Blogbooks), autor do blog "Você Mais Rico" do Portal EXAME e colunista da Revista InfoMoney. No Twitter: @Navarro.
* Educador financeiro, tem MBA em Finanças pela UNIFEI. Sócio-fundador do Dinheirama, autor dos livros "Dinheiro é um Santo Remédio" (Ed. Gente), “Vamos falar de dinheiro?” (Novatec) e "Dinheirama" (Blogbooks), autor do blog "Você Mais Rico" do Portal EXAME e colunista da Revista InfoMoney. No Twitter: @Navarro.
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