Pe. João Batista Libânio*
Ao falar de sentido da vida buscamos o que há de radical e na
existência. E o cristão encontra em Deus a primeira e última intelecção: alfa
e ômega
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Um pouquinho de gramática. O plural normalmente indica que a realidade no singular se multiplica. Tenho um pão, tenho dois pães. Dobrei. Pus no plural.
O termo
sentido, no entanto, como vários outros fazem exceção. Às vezes, acontece que o
plural entra em contradição com o singular. Platão pôs o Bem no centro da ética
do Ocidente. E hoje vemos tantos bens destruírem o Bem. As pessoas em busca de
bens esquecem o Bem para o qual foram criadas.
O mesmo vale
para Deus. Se o termo vai para o plural, perverte-se em deuses, ídolos. Não
suporta o plural. A palavra amor não casa bem com amores. O primeiro guarda a grandeza
do término, enquanto os amores frequentemente se perdem em frivolidades. Fé não
suporta plural. Transforma-se em crenças e dissolve-se em inúmeras expressões
até contraditórias.
E sentido,
será que os sentidos conflitam com ele? Sim e não. No singular exala grandeza,
pretensão de orientar toda a vida. Guarda profunda unidade. Ao falar de sentido
da vida, no singular, concentramos em buscar o que há de radical e determinante
em última instância na existência. E para o cristão ele encontra em Deus a
primeira e última intelecção. Alfa e ômega.
O termo Deus
permite diversas interpretações. Conjuga dois movimentos bem diferentes que se
encontram. Todo ser humano, assim nos ensina a Revelação cristã, foi criado por
Deus do nada. Prestemos atenção. Do nada, quer dizer que antes não existia
nenhuma realidade que nos constituísse, senão a vontade livre de Deus de
criar-nos.
Dificilmente
se consegue impor a alguém um sentido e imagem de Deus. Tudo isso passa pelo
crivo da individualidade, da consciência pessoal. Bendita descoberta
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A revelação
vai mais longe. Ensina-nos que Ele nos criou para uma comunhão de amizade com
ele. Esta é a profunda constituição do nosso ser. Somos existencialmente feitos
por e para Deus. Mais que ele está em nós, ele nos faz existir. Algo radical.
Jogados na história, verbalizamos, tornamos palavras para nós e para os outros
essa experiência. Colhemos da cultura que nos cerca símbolos, expressões,
explicitações, termos, conceitos para exprimi-la. Chamamo-la de Deus. E aí
entram muitos fatores a influenciar ambiguamente, ora traduzindo bem a
experiência fundante de Deus, sentido da vida, ora maculando-a com falsas
imagens.
E na
pós-modernidade, o que se passa? Na brevidade da reflexão, selecionamos um
aspecto positivo e outro negativo. A pós-modernidade, ao trabalhar a realidade
de Deus, como sentido da vida, não permite que ela nos massacre e domine.
Valoriza a autonomia, a liberdade, a capacidade de resposta do ser humano. Tal
valorização da subjetividade, nascida na modernidade, reforça-se ainda mais.
Dificilmente se consegue impor a alguém um sentido e imagem de Deus. Tudo isso
passa pelo crivo da individualidade, da consciência pessoal. Bendita descoberta
que diminui as pretensões dos absolutismos históricos.
Entretanto,
ela fragmenta as realidades íntegras. E o sentido da vida vai para o plural.
Transformam-se em sentidos e por isso caem sob a tirania dos cinco sentidos.
Então cabe retomar o singular e assim ir reinterpretando para dentro dele o
plural, a fim de não sofrer dolorosa fragmentação.
Professor da Faculdade Jesuíta de
Teologia e Filosofia (FAJE
Fonte: http://www.arquidiocesebh.org.br/08/11/2013
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