Montserrat Martins*
"O psiquiatra Dale Archer alerta que a medicina transformou
comportamentos normais em doença, em seu livro “Better than normal”
(“Quem disse que é bom ser normal?”
na edição brasileira)."
Não lembro quem cantava “tá todo mundo louco, oba!”, mas seria a música
perfeita para um comercial de Ritalina, de Rivotril, de Risperidona, um
trio Ri-Ri-Ri que faz rir e enriquecer mais ainda a indústria
farmacêutica – uma das cinco mais lucrativas do mundo (entre as quais
também a indústria de armas), movimentando quase um trilhão de dólares
por ano, tendo a Aspirina como “carro-chefe”.
O psiquiatra Dale Archer alerta que a medicina transformou
comportamentos normais em doença, em seu livro “Better than normal”
(“Quem disse que é bom ser normal?” na edição brasileira). O
questionamento não é novo mas fazia tempo que esse tipo de alerta não
repercutia tanto, a ponto de se tornar um “best seller” americano, numa
sociedade que está na “vanguarda do artificialismo” mundial.
Dos clássicos sobre o assunto, as novas gerações merecem conhecer “O
Alienista” de Machado de Assis e o “Admirável Mundo Novo”, de Aldous
Huxley. Proféticos, previram tanto o exagero de diagnósticos (Machado)
quanto ao modismo das pílulas como modo de acesso â felicidade (Huxley).
Já vi debates nas redes sociais onde usuários de Ritalina, ou pai das
crianças medicadas com ela, defendem seu uso e enaltecem o efeito do
remédio sobre suas vidas e a de seus filhos. É verdade, são depoimentos
importantes porque mostram que o progresso científico, inclusive o dos
psicofármacos, é um avanço da civilização no tratamento contra doenças e
no alívio de sofrimentos. Quero deixar claro que, sendo Psiquiatra, eu
também prescrevo esses medicamentos e fico gratificado em ver o alívio
dos sintomas produzidos nos pacientes. Pra não deixar dúvidas: sou a
favor do uso de psicofármacos, do progresso da ciência, das pesquisas
que desenvolvem medicamentos cada vez mais precisos e específicos.
Pronto, está dito.
Por outro lado – e isso também tem de ser dito claramente – os
benefícios desses recursos bioquímicos não isentam de verdade também o
outro lado da moeda, que inclui efeitos colaterais, dependências físicas
e psicológicas. É tão verdade dizer que os psicofármacos ajudam quanto
dizer que atrapalham, tudo vai depender de cada caso, de cada situação
específica, se a substância foi bem ou mal indicada, na dose certa ou
não, se o diagnóstico foi exato ou impreciso, se a prescrição foi
adequada ou exagerada. “Cada caso é um caso” é um sábio aforisma da
Medicina.
Ainda não li o livro do Dr. Dale Archer, mas com certeza vou comprar e
ler com toda a atenção. Sendo que passamos bem mais tempo expostos às
propagandas das maravilhas das novas biotecnologias, alertas são sempre
bem vindos. A inovação em métodos diagnósticos sobre a TDAH (Transtorno
de Déficit de Atenção com Hiperatividade) é um modismo forte. e tenho
visto ser oferecido por estudantes de psicologia, voluntariamente, em
atividades comunitárias.
Quer dizer, mais pessoas receberão gratuitamente seu diagnóstico de
que tem TDAH, dando acesso aos mais pobres ao seu primeiro diagnóstico
psiquiátrico, cada vez mais precocemente. Numa evolução previsível,
qualquer dia podem ser incluídas nas bolsas do governo federal os
medicamentos para a síndrome da moda – a não ser que prestemos mais
atenção à seriedade do alerta do Dr. Archer.
Ah, achei na internet que foi o Sílvio Brito (sucesso nos anos 70)
quem compôs o “tá todo mundo louco, oba!”, em que cita na letra também o
Raul Seixas. Tá merecendo uma regravação, num ritmo funk, com um clipe
gravado numa UPP, com o patrocínio dos laboratórios, naturalmente.
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* Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2013/11/14/t
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