Tufão Yolanda dizimou cidades inteiras nas Filipinas: "Existência de
incerteza não significa falta de conhecimento",
diz David Stainforth,
pesquisador da London School of Economics
"Há incógnitas conhecidas, isto é, há coisas que agora sabemos que
não sabemos", disse o ex-secretário americano de Defesa Donald Rumsfeld,
em 2002, tentando explicar o contexto imprevisível da guerra ao terror.
"Mas também existem desconhecimentos desconhecidos - há coisas que não
sabemos que não sabemos."
Onze anos depois, esse jogo de palavras, execrado na época, é um
ícone pop, citado no filme "Guerra ao Terror" e parte de letras de
músicas, como em "Riddles, de Joan Jett. E, principalmente, uma verdade:
a incerteza é parte da vida. Investir no mercado financeiro, fazer
projeções de inflação, jogar na loteria ou decidir levar ou não um
guarda-chuva ao sair de casa são eventos que envolvem grande dose de
incerteza. Mas, se até uma década atrás, a imprevisibilidade era
considerada apenas um elemento do jogo, a tecnologia e os mercados
mundiais aumentaram seus efeitos sobre as sociedades. A incerteza
tornou-se fonte de angústia política e econômica.
"As incertezas aumentaram muito nos últimos anos", diz o professor de
psicologia social da Universidade de São Paulo (USP) Sigmar Malvezzi. A
tecnologia e as bolsas tornaram as economias mais instáveis. Governos
perderam controle sobre mercados. "Outro ponto importante é o
enfraquecimento da capacidade das instituições sociais - família,
escola, igrejas - de reproduzir os valores e a cultura. Esse
enfraquecimento está deixando as pessoas sem sentido na vida. Sem esse
controle, os indivíduos são volúveis em suas decisões. Têm seu
individualismo intensificado e isso aumenta as incertezas."
Estudos de psicologia cognitiva e neurociência, principalmente os
mais ligados à neuroeconomia - que une neurociência e economia -,
mapearam nos últimos anos como o cérebro humano reage aos momentos de
incerteza. As decisões são tomadas no córtex pré-frontal médio, região
localizada na altura da testa que orienta as decisões, pesando os
resultados bons e ruins de escolhas passadas. Em testes com ratos - os
cientistas dizem que possivelmente humanos se comportam da mesma maneira
-, uma equipe do Instituto Médico Howard Hughes, nos Estados Unidos,
conseguiu visualizar como surge a dúvida. No início, são apenas algumas
células nervosas, mas, à medida que aumenta a confusão, mais e mais
novas células ficam agitadas e criam um turbilhão mental, forçando uma
mudança de perspectiva.
"Quando o ambiente muda, você quer reavaliar o mundo", diz Alla
Karpova, neurocientista encarregada do estudo. Essa atividade parece
indicar como agem, por exemplo, os donos de carteiras de ações em tempos
de crise. Em outro estudo, do Programa de Neurobiologia da Escola de
Medicina da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, cães foram
submetidos a testes em que obtinham ração numa máquina parecida com uma
de venda de refrigerantes. Conforme a portinhola do aparelho que
escolhiam, podiam receber mais ou menos comida. Ou nenhuma.
O teste apontou para uma verdade conhecida dos mercados financeiros:
em tempos incertos, somos conservadores. Quando aumentaram os nichos
vazios, os animais passaram a escolher aqueles onde já sabiam que havia
comida, mesmo que em menor quantidade. O resultado, segundo Michael
Platt, neurobiólogo responsável pelo estudo, explica esse mecanismo de
proteção.
Geralmente, as pessoas são avessas à incerteza quando tomam decisões
sobre ganhos financeiros, revela a pesquisa. "Ao mesmo tempo, são mais
abertas à incerteza quando se defrontam com perdas em potencial." Em
outro exemplo, se uma pessoa for a um "game show" na TV em que o
apresentador dá a chance de escolha entre receber R$ 100 mil naquele
momento ou tentar a sorte e ganhar R$ 500 mil ou perder tudo, a maior
parte dos candidatos escolherá a primeira opção. É o que os economistas
costumam chamar de aversão ao risco.
Teste aponta para uma verdade conhecida dos mercados financeiros: em tempos incertos,
somos conservadores
A descoberta explica por que, em momentos de grande incerteza,
medidas de emergência tomadas por governos geralmente não funcionam.
Trata-se do que o economista americano Nicholas Bloom, da Universidade
de Stanford, chama de "choque de incerteza". Depois da crise que se
seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, Bloom foi um dos interessados
em analisar como as economias se comportam em tempos incertos. Após
analisar 14 crises, começando pela dos mísseis em Cuba, em 1962, até a
quebra do Lehman Brothers, em 2008, notou que, em um primeiro momento, a
incerteza sempre prevaleceu, anulando as ações dos governos.
O processo é conhecido. Em momentos de incerteza, os mercados reagem
mal, derrubando as bolsas. As empresas congelam investimentos, e a taxa
de desemprego aumenta. Os governos reagem, injetando dinheiro no mercado
e cortando a taxa de juros. Mas, em todos os casos, a preocupação maior
é sempre com o risco, anulando as medidas adotadas para contê-la.
Somente há uma resposta quando a incerteza diminui e a economia se
normaliza.
"Para os políticos, isso é importante: sugere que uma resposta
monetária ou fiscal a um choque de incerteza provavelmente não terá
quase nenhum impacto imediato", diz Bloom. Se medidas certas tomadas em
um clima de incerteza podem demorar para ter efeito, uma subida errada
na taxa de juros para conter a fuga de capitais, por exemplo, pode
atrasar a recuperação mais tarde. "Políticas voltadas para o que está
por trás da incerteza são mais prováveis de funcionar."
Sob incerteza, dizem outros estudos, as pessoas também se tornam mais
propensas a antecipar gastos e fazer menos poupança. Os efeitos vão
além da economia. "A incerteza pode afetar a política", diz Ingrid Haas,
pesquisadora de psicologia política da Universidade de Nebraska. Em uma
série de experimentos, ela testou voluntários em vários cenários
criados para provocar incerteza. Os pesquisadores então faziam uma série
de perguntas para determinar os níveis de abertura a novas ideias.
Resultado: em tempos incertos, as pessoas se tornam mais intolerantes.
A rejeição aumentava quanto mais os participantes da pesquisa se
sentiam inseguros. No mundo real, isso seria uma explicação para ondas
de xenofobia e perseguição a minorias em momentos de temor nas
sociedades sobre o futuro. Em um caso extremo, munição para o
totalitarismo, como na Alemanha nazista. No mercado financeiro, mais uma
explicação para o "efeito manada" em momentos de crise.
Mas a incerteza, descobriram os pesquisadores, também pode ter o
efeito contrário no caso de opiniões radicais. Em situações nas quais a
intolerância é resultado de alguma certeza, criar dúvidas nas mentes das
pessoas levou a posições menos radicais. "Dúvidas podem gerar mentes
mais abertas a opiniões opostas e menos dispostas a minimizar o que
pensam os outros", diz Ingrid.
Com dados sobre famílias em situação econômica frágil por causa da
recessão entre 2007 e 2009, o sociólogo Dohoon Lee, professor da
Universidade de Nova York, constatou que a incerteza também faz com que
mães criem os filhos de maneira mais dura. Cada 10% de aumento na taxa
de desemprego correspondeu a 1,6% a mais de casos de palmadas, gritos,
ameaças e espancamento de crianças. Estudos sobre a Grande Depressão,
nos anos 1930, haviam chegado à mesma descoberta, mas ligavam os maus
tratos à vida mais difícil criada pela maior crise econômica do século
XX.
Lee descobriu que a mente antecipa os piores momentos. Já na fase
inicial da recessão, quando as taxas de desemprego ainda não estavam
altas, mas o índice de confiança do consumidor caía, as mães começaram a
bater e a gritar mais com os filhos. "A antecipação da adversidade foi
mais importante do que a exposição real", asseguram os pesquisadores,
que ainda fizeram mais uma constatação: entre mães com um grupo
específico de genes que as deixam mais suscetíveis à incerteza, os casos
de maus tratos foram ainda maiores.
Até mesmo os processos químicos que fazem sentir o sabor dos
alimentos são afetados. Em um teste para o exército americano, em 2012,
batizado significativamente de "Jantando no escuro", 160 voluntários
experimentaram, de olhos vendados, porções de biscoitos, carne e
enchiladas, uma tortilha de milho recheada. Enquanto nos dois primeiros
pratos, que fazem parte da culinária do dia a dia, a aceitação não
mudava, os militares recusaram a enchilada, prato mexicano não familiar a
eles. Mas quando sabiam do que se tratava, a aceitação subia. Os
resultados, segundo os organizadores da pesquisa, professores de
universidades americanas como Cornell e Yale e de um centro de pesquisas
do Exército em Massachusetts, mostram uma ligação entre os processos
psicológicos e o paladar.
Esses estudos respondem a perguntas que filósofos e escritores fazem
há milênios. Já no século IV A.C., o grego Sócrates criava sua frase
famosa: "Só sei que nada sei". O francês Voltaire, no século XVIII,
considerava a incerteza algo positivo: "Incerteza é uma posição
desconfortável, mas certeza é uma [posição]absurda". Aqui no Brasil,
Machado de Assis escreveu no romance "Esaú e Jacó": "O imprevisto é uma
espécie de Deus avulso que pode ter voto decisivo na assembleia dos
acontecimentos". O economista americano John Kennedy Galbraith
(1908-2006), em seu clássico "A Era da Incerteza", tem uma visão
negativa: em comparação com a certeza das ideias do século XIX, a
incerteza atual é resultado da desigualdade, da ineficiência e da
instabilidade.
Nem sempre incerteza é ruim. Para os criadores de videogames, por
exemplo, quanto mais incerteza, melhor. Seja em clássicos como "Space
invaders" e "Super Mario" ou em sucessos recentes, como "World of
Warcraft", a quantidade de incerteza à qual o jogador é submetido
desperta medos subconscientes e é a essência do jogo. Mas, no caso dos
cientistas climáticos, falar de incerteza tem sido motivo de dor de
cabeça.
Com o tufão Yolanda, que dizimou cidades inteiras nas Filipinas e
deixou mais de 10 mil mortos, o tema da previsão climática ganhou
destaque especial. Em estudo realizado em parceria com a agência
Reuters, pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra,
analisaram 350 notícias publicadas em seis países - o Brasil não faz
parte da lista - e notaram que, em 80% dos casos de noticiário sobre o
clima, falava-se da incerteza dos cientistas. A situação fez a Sense
about Science, organização inglesa de divulgação científica, lançar uma
campanha para esclarecer que incerteza não é o mesmo que ignorância.
"A existência de incerteza não significa falta de conhecimento ou que
uma ação, bem justificada, não pode ser tomada", diz David Stainforth,
pesquisador do instituto de pesquisas Grantham para a Mudança Climática e
o Meio Ambiente, da London School of Economics. "Se eu jogar uma bola
no ar, posso ter enorme incerteza quanto ao local onde ela vai parar,
mas posso ficar muito confiante de que vai cair. E se eu não quero que
ela caia na minha cabeça, posso ir embora."
Apesar dos alertas, continua-se a cobrar dos cientistas algo que a
ciência não pode prometer: certeza. "Incertezas são inerentes ao
processo científico e ao conhecimento em geral", diz o físico Paulo
Artaxo, da USP. "Basta ver as incertezas nas projeções de inflação, de
taxa de cambio, de cura de câncer etc. Essa confusão cria um ruído
desnecessário, que não chega a ameaçar, mas sem duvida é um ponto muito
negativo."
No último relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças
Climáticas da ONU, a palavra "incerteza" aparece 42 vezes. Mesmo assim, o
documento recebeu criticas por despertar mais dúvidas no público e nos
políticos. "A questão é que, nas mudanças climáticas, as implicações
socioeconômicas são enormes", diz Artaxo. "Decisões de mitigação e
adaptação são questões complicadas e com amplas implicações políticas."
Em outro aspecto, um dado curioso é que a incerteza não é percebida
da mesma maneira em todos os lugares. Ao analisar, nos anos 1960 e 70,
os dados de 100 mil moradores de 40 países diferentes para saber como
reagem à incerteza, o psicólogo social holandês Geert Hofstede notou que
a cultura local influencia essa visão.
O Brasil, segundo o estudo, é o país com maior aversão à incerteza na
América Latina, onde a rejeição também é alta. Portugal, Grécia e
Bélgica são outros lugares com grande rejeição ao incerto. Já
Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Jamaica e Cingapura veem a incerteza de
maneira mais positiva.
"No Brasil, como nas sociedades com alta rejeição à incerteza,
burocracia, leis e regras são muito importantes para fazer o mundo um
lugar seguro para viver", diz o estudo de Hofstede. "A necessidade das
pessoas de obedecerem a essas leis, no entanto, é fraca. Mas se as
regras não podem ser mantidas, novas são feitas."
A sociedade, aqui, é moldada - concluiu o estudo - para evitar a
incerteza. Brasileiros são mais coletivistas e costumam se juntar a
grupos. Quanto menos voltada para o indivíduo for uma sociedade, mais
mecanismos existirão contra momentos de incerteza.
Enfim, caso uma pessoa se sinta abalada pela incerteza, como lidar
com ela? Um estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, divulgado em
junho, descobriu que ler romances diminui o bloqueio cognitivo, uma
tendência a delimitar demais um problema. Cem voluntários, estudantes
universitários, mostraram-se mais abertos a informações contraditórias
depois de ler contos de autores como os americanos Wallace Stegner, Jean
Stafford e Paul Bowles. As opiniões, no entanto, tornavam-se menos
abertas com a leitura de ensaios. Se estiver se sentindo em dúvida, ler
"Os Sonhos da Morte de Pessoas Queridas", de Sigmund Freud, será mau
negócio.
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