Eliana Cardoso*
O lobo ouviu o choro interminável do bebê entrelaçado à ameaça da mãe: "Se não parar de chorar, entrego você para o lobo mau".
E o pardo da floresta esperou e esperou e, esperando o alimento que não vinha, morreu de fome enquanto o bebê chorava...
Não nos surpreende que o conteúdo dos discursos maternos se perca
quando traduzido na linguagem dos lobos. Ou na dos bebês. E estamos
acostumados à dificuldade de comunicação entre psicólogos de diferentes
escolas, entre economistas presos a ideologias distintas e até mesmo
entre o autor de um romance e os leitores que o interpretam como lhes
convém. Enquanto isso, economistas e neurocientistas andam conversando.
Voando de um congresso de volta a São Paulo, sentei-me ao lado de
David Laibson, professor de Harvard e um dos mais proeminentes
pesquisadores na área da economia do comportamento. Falamos sobre alguns
"insights" nessa nova área de estudo, já incorporados a modelos
matemáticos e com importantes consequências para a política econômica.
Outras descobertas oferecem enormes dificuldades para a teoria, porque
constatam mudança de preferências quando ocorre alteração no contexto da
escolha. Essa instabilidade das preferências contraria axiomas da
racionalidade e parece exigir dos economistas a incorporação de
considerações de caráter afetivo nos seus modelos de maximização do
bem-estar.
Laibson e eu concordamos que a perspectiva da economia do
comportamento não tem nenhum parentesco com a psicologia behaviorista.
Tem, sim, afinidades com o inconsciente de Freud.
Perguntei a Laibson por que Kahneman - o psicólogo que ganhou o
Prêmio Nobel de Economia - não cita Freud no seu "Thinking Fast and
Slow". Laibson me ofereceu duas hipóteses. Pode ser que os cientistas
tentem obscurecer suas fontes de inspiração, disse ele. Ou Kahneman
evitou a referência a Freud por causa do baixo prestígio da psicanálise
nos meios acadêmicos americanos: "Freud is a dirty name", ele comentou.
Gostaria de levantar uma hipótese diferente. Embora as duas áreas, a
economia do comportamento e a psicanálise, se interessem pelo
funcionamento da mente, cada uma delas explora perspectivas distintas
com objetivos e métodos diferentes. A psicanálise se interessa pelo
desenvolvimento da sexualidade e das neuroses, enquanto a economia quer
entender e explicar escolhas econômicas. Por exemplo: como dividir o
tempo entre trabalho e lazer, quanto cobrar por um sapato, como repartir
a própria riqueza entre diferentes ativos, e quais são as implicações
dessas escolhas para o crescimento e a distribuição de renda.
A economia inseriu aperfeiçoamentos importantes no seu paradigma
tradicional ao considerar as informações assimétricas, os contratos
incompletos e muitos outros elementos de tratamento difícil. Agora, a
economia do comportamento aponta a necessidade de novos passos, porque
entendeu que o processo de decisão depende de dois sistemas mentais: um
sistema analítico - vagaroso e consciente, que pesa as consequências das
decisões - e um sistema afetivo - rápido, inconsciente, automático e
destituído de esforço. A economia já dispõe do modelo mental que
representa o sistema analítico (ou racional). Alguns pesquisadores
almejam complementá-lo, criando um modelo para o sistema afetivo e
estabelecendo, em seguida, um link entre os dois sistemas.
Nesse trabalho ainda em gestação, por que não usar os "insights"
freudianos para modelar o sistema afetivo? Freud argumenta que existem
processos mentais poderosos, que são inconscientes como resultado do
recalcamento. Ideias comuns podem esconder ou revelar conteúdos que
escapam à nossa atenção. Mas seria difícil aplicar a visão freudiana à
economia, porque a psicanálise não se resume na divisão do psíquico
entre o que é consciente e o que é inconsciente.
O primeiro atrito entre a economia do comportamento e a psicanálise
deriva da convicção dos economistas de que poderiam modelar as escolhas
conscientes e inconscientes de forma separada e ligá-las posteriormente
de forma simples. Em contraste, a psicanálise interpreta as divisões da
mente entre o ego (eu), o id e o superego (supereu) como inseparáveis:
elas se interpenetram de formas nem sempre explícitas.
A economia do comportamento já entendeu que o processo de decisão depende de dois sistemas mentais:
um analítico e um afetivo
"O Ego e o Id", último dos grandes trabalhos teóricos de Freud,
resume o funcionamento da psique. O indivíduo dispõe de uma organização
coerente de processos mentais chamada de ego (eu), ligado a um id
psíquico, desconhecido e inconsciente. O eu representa não apenas o que
os economistas chamam de razão, pois na sua relação com o id (que contém
as paixões) se parece ao cavaleiro que tenta controlar a força superior
do cavalo. A diferença importante está em que o cavaleiro usa a própria
força, enquanto o eu utiliza forças emprestadas, tendo o hábito de
transformar em ação a vontade do id, como se fosse sua.
O eu também não é simplesmente a parte do id modificada pela
influência do mundo exterior através do sistema perceptivo. Aqui também
existem complicações. Como consequência do caráter triangular da
situação edipiana e da bissexualidade constitucional do indivíduo, a
fase infantil dominada pelo complexo de Édipo deixa um herdeiro
conhecido como superego (supereu), reconhecido seja sob a forma de
consciência, seja sob a forma de um sentimento inconsciente de culpa.
Segue-se que o eu psicanalítico difere radicalmente da mente racional
descrita pelo sistema analítico da economia. Enquanto a razão do "Homo
oeconomicus" é senhora de si mesma, pode-se comparar o eu psicanalítico
ao escravo de três senhores: a realidade do mundo exterior, a libido do
id e a severidade do supereu.
Portanto, o eu não é apenas a moradia da racionalidade econômica, mas
também a casa da ansiedade e do sofrimento derivado da guerra interna
ao id entre dois grupos de instintos (pulsões): de um lado, as pulsões
de vida e prazer e, de outro, as pulsões de morte, que combinam
agressividade e desejo de paz. Sendo assim, parece quase impossível
reduzir o sistema freudiano (em que até mesmo o supereu é em parte
inconsciente) à divisão mais simples proposta por Kahneman.
A outra dificuldade de comunicação entre a economia e a psicanálise
deriva do método. Os economistas trabalham com modelos matemáticos, que
tornam explícitas as hipóteses e descartam as implicações não passíveis
de testes de falsificação. As implicações falsificáveis, por seu lado,
devem ser mensuráveis. E fariam parte do corpo da ciência econômica
apenas depois de não rejeitadas em testes que dependem de numerosas
observações.
Os psicanalistas, pelo contrário, dispõem de um modelo verbal e
flexível; derivam sua evidência de casos clínicos, relatados de forma
subjetiva. Suas proposições nem sempre são falsificáveis e os analistas,
muitas vezes, acusam seus críticos de vítimas da "resistência".
Esses desafios empurram os economistas para os braços dos
neurocientistas e da psicologia cognitiva, onde encontram maior
afinidade de método. Economistas e neurocientistas também andam
interessados em literatura. As imagens do cérebro revelam o que acontece
em nossas cabeças quando lemos uma descrição, uma metáfora ou um
diálogo. Ler sobre uma experiência ou vivê-la estimulam as mesmas
regiões do cérebro.
Por associações que só Freud explica, essa esperança de diálogo entre
a literatura, a neurociência e a economia me fez pensar no oposto, isto
é, no monólogo a dois - a situação em que ninguém se entende, porque
cada um escuta apenas a própria voz. Ou embaralha o discurso do outro,
se ele contraria os próprios preconceitos e desejos, como na tradução
literal escolhida pelo lobo para a ameaça da mãe ao bebê chorão.
Exemplo hilário da impossibilidade de comunicação se encontra no
conto de Italo Calvino "O Homem de Neandertal", em que um entrevistador
contemporâneo, alimentado por clichês e incapaz de entender o
entrevistado, tenta colocar na boca do outro as palavras que deseja
ouvir. O homem de Neandertal resiste e se exprime como pode e sobre o
que lhe interessa. Calvino trata com leveza e humor essa experiência
frustrante e nos obriga a rir.
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* EscritoraFonte: Valor Econômico online, 17/01/2014
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