segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Por que assistir à novela das nove?

CÍNTIA MOSCOVICH*

Semana passada, alguém recomendava que, em vez de ficar assistindo à novela das nove, as pessoas fossem ler livros. O argumento era o de que, além de trazer muito sexo, a novela ainda “ensinava” um monte de coisas ruins: adultério, roubo, assassinato, extorsão, sequestro, chantagem. Os livros, que são unanimidade, não precisavam de defesa nenhuma.

O argumento contra a novela é cheio de boas intenções, o que não o torna menos manco. Se uma pessoa, por exemplo, desligar a tevê e pegar da estante Os Irmãos Karamázov, estará diante de alcoolismo, bandidagem e parricídio. Se continuar no século 19 e der de mão, digamos, em Anna Kariênina ou Madame Bovary ou O Primo Basílio ou Dom Casmurro ou Os Maias, topará com infidelidade conjugal, incesto e cinismo do grosso. Ou seja: não tem como escapar, a matéria humana é mesmo esse barro imperfeito e primitivo, e todo o esforço será para frear e polir a selvageria inerente.

(Pessoalmente, me divirto com a novela das nove. Gosto de vários personagens, e acho um privilégio ver em cena atores como Nathalia Timberg, Ary Fontoura, Antonio Fagundes, Susana Vieira, Elisabeth Savalla e Mateus Solano. Me conforta muito que algum mundo seja ordenado e previsível.)

Lá pelas décadas de 70 e 80, dizia-se que a televisão era algo alienante, capaz de tornar o indivíduo passivo em massa de manobra: vivíamos o terror da censura num regime de exceção. No entanto, hoje, num estado em tese democrático, acho que ser contra a novela – e contra o BBB e outros bodes expiatórios de ocasião – não tem muito sentido: a censura acabou, sabe-se de (quase) tudo. Troca-se de canal se não se gosta do programa.

Por outro lado, é espantoso ver que o mal que viria da televisão chegou, e por escolha das próprias pessoas. O mundo anda cheio de alienados reais, pairando num mundo de atenção flutuante, concentração dividida, conhecimento superficial, esportes radicais e palpites furados como nunca se viu na história. A ascensão econômica aliada a um espírito de manada nivelou o país: todos são contra alguma coisa, aparente e necessariamente edificante. O pior é que a leitura, unanimidade das unanimidades, não resistiu ao faz-de-conta das boas intenções e tornou-se algo tão raro que teve que ser recuperado – atenção – pela novela das nove. A maioria dos personagens aparece lendo livros.

A unanimidade pode ser bem burra. E viva a tatuagem de Mickey do Caio Castro.
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* Jornalista. Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 13/01/2014
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