Tatiana Klix*
Paulo Freire, o mais importante e revolucionário educador brasileiro,
viveu a maior parte da sua vida e criou seus métodos e conceitos
pedagógicos em uma realidade sem computador em larga escala, internet,
jogos on-line ou redes sociais. Mas mesmo após 50 anos da primeira
experiência de alfabetização de adultos em Angicos, Rio Grande do Norte,
que se tornaria o método com o seu nome, boa parte dos ensinamentos do
pensador pernambucano seguem contemporâneos. E mais: vários deles ainda
são inovadores para o cenário educacional.
“Nunca tivemos tanta chance de aprender juntos como agora”, avalia
Jose Moran, pesquisador e professor de comunicação da USP, que enxerga
na colaboração, na troca, na convivência virtual e no compartilhamento
de saberes um dos princípios mais importantes de Paulo Freire, o de
aprender junto. “Educador e educando aprendem em comunhão” é uma frase
que resume a concepção freireana para a prática do aprendizado.
Ao rejeitar o que chamou de educação bancária, na qual o professor
apenas transmitia conhecimentos aos alunos, o pensador valorizou a
cultura e o conhecimento prévios dos estudantes e a ideia que se aprende
na troca, seja entre professores e alunos, seja com outros professores,
seja entre alunos. “A educação está na vida, no nosso cotidiano e na
nossa formação como um todo. Não acontece só na escola, mas em qualquer
ambiente”, explica a professora doutora da Unicamp Debora Cristina
Jeffrey.
Segundo ela, o mais importante para Freire é pensar a educação para a
transformação humana e a autonomia do sujeito, o que ainda segundo a
concepção do pernambucano se dá quando as pessoas se conscientizam de
suas condições sociais, culturais, econômicas e políticas.
Dentro dessa visão humanista, para Moran, que pesquisa inovação em
educação, é plenamente válido trabalhar os conceitos de Freire para
entender uma educação mais conectada, que se utiliza de tecnologias
móveis. O professor explica que a educação é um processo profundo de
intercâmbio entre pessoas, que a tecnologia facilita e resolve uma parte
dele sem que necessariamente educadores e educandos estejam
presencialmente juntos.
Alguns projetos atuais de alfabetização de adultos têm utilizado como
recurso o celular, por exemplo. Estimular relatos por email,
ferramentas de bate-papo e redes sociais também são formas
contemporâneas de usar o conhecimento que o aluno já tem. “É possível
usar a tecnologia para conscientização, pesquisa, trocas culturais, que
são necessárias para aprendizagem. Mas não adianta instrumentalizar o
aluno; ele precisa ter consciência do porque e como vai utilizar os
instrumentos para sua vida”, diz Débora.
Moran vai ainda mais longe e acredita que o processo de
personalização, realizado por plataformas educativas que permitem que
cada um possa fazer seu percurso, em qualquer lugar, desde que esteja
conectado, é uma nova forma de educar para a autonomia. “Os princípios
(de Freire) valem, mas a forma de atualizá-los se alternam, na medida
que há outras possibilidades. O acesso ao conteúdo, materiais e
informações básicas ocorre sem o professor. A personalização é a
possibilidade que temos hoje de alguém estar mais atento às minhas
necessidades de conhecimento, mesmo dentro do grande grupo”, explica.
Já a professora da Unicamp pondera que a ideia de que o aluno aprende
por si só e que o professor é apenas um mediador, presente em
concepções pedagógicas posteriores, não está presente nas teorias de
Paulo Freire. Para o educador, as pessoas não aprendem sozinhas e o
professor tem uma autoridade a exercer. “O foco principal é o coletivo,
as experiências, a vivência, a cultura, o entendimento da condição do
ser humano em uma sociedade desigual e a superação dessa condição”.
Nesse contexto, a roda de conversa, o estudo do meio e a educação por
projetos, práticas usadas em escolas inovadoras, são ações educativas
que visam essa troca de olhares, de perspectivas e saberes. “É possível
pensar em projetos, mas não em projetos que vêm de cima para baixo. São
projetos estabelecidos a partir de temas geradores. É preciso ouvir
alunos, debater e fazer discussões que tragam sentido ou que sejam
decididas em assembleias”, explica.
Segundo a professora e pesquisadora de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) e organizadora do livro Memorial Paulo Freire: Diálogo com a
Educação (Expressão e Arte), Noêmia de Carvalho Garrido, os projetos
devem estar ligados à comunidade, trazer a história de vida dos
educandos, para então trabalhar a sistematização dos conteúdos que a
escola exige. “O homem, em sua formação, não é dividido, ele é integral,
o conhecimento que vem de fora da escola é integral. Só se fragmenta na
sala de aula”, diz.
Neste ponto, ainda está o principal desafio para levar Paulo Freire
para a escola, principalmente a pública, na opinião de Débora. “Para
trabalhar na perspectiva de Freire, é preciso atuar de modo
interdisciplinar. Os temas têm que conversar entre eles, a partir de um
eixo norteador”. Dentro dos ensinamentos de Freire, esse tema vai ser
levantado a partir das necessidades e interesses dos educandos, ou até
mesmo da troca de educador e educandos.
Não se pode segmentar conteúdos em disciplinas e dividir o dia dos
alunos por matérias. Por exemplo, as manifestações de junho de 2013
podem se tornar um tema gerador para várias disciplinas. É possível
discutir como esses movimentos surgiram, em matemática se estuda os
indicadores sociais, em história, relembra passagens como a oposição à
ditadura militar ou os caras pintadas, em geografia procura entender
como as redes sociais interferem nas manifestações.
“Esse conjunto de debates leva o aluno a compreender por que
participa das manifestações e qual o efeito que elas têm”, exemplifica a
doutora em educação. Para Débora, na maioria das vezes, as escolas
ainda mantêm uma estrutura tradicional de organização e espaço. E ainda é
uma perspectiva inovadora se pensar a rotina e o cotidiano escolar de
forma diferenciada.
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* Publicado originalmente no site O Porvir.
(Porvir)Fonte: http://www.mercadoetico.com.br/10/01/2014
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