quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Morre no México poeta argentino Juan Gelman, que lutou contra a ditadura

 O poeta e jornalista argentino Juan Gelman durante a entrega da medalha de Belas Artes, na Cidade do México, em 2012
 O poeta e jornalista argentino Juan Gelman durante a entrega da medalha de Belas Artes, na Cidade do México, em 2012

Morreu nesta terça (14), no México, aos 83 anos, o poeta e jornalista argentino Juan Gelman. As causas da morte não foram divulgadas. 

Reconhecido tanto pela qualidade dos seus versos quanto pela sua militância política, Gelman publicou mais de 20 livros e recebeu em 2007 o prêmio Cervantes, o principal em língua espanhola. 

Foi também um ícone da resistência à ditadura na argentina. Perseguido pelos militares, se exilou primeiro na Itália, nos anos 1970. Teve o filho e a nora sequestrados e mortos pelo regime. Uma neta nascida durante o cativeiro dos pais também esteve desaparecida até que Gelman conseguiu resgatá-la. 

Por ter desacreditado da eficácia da luta armada e dos rumos que tomaram os grupos de esquerda, foi condenado à morte pelo grupo guerrilheiro Montoneros 

Num artigo em 2008, o colunista da Folha Clóvis Rossi escreveu que "Gelman teve a penosa honra de ter sido condenado à morte duas vezes, por entidades opostas, aliás" —referência aos militares e aos guerrilheiros. "Em ambos os casos, por olhar para os fatos e dizer que os fatos eram como eram". 

As obras do argentino incluem "Bajo la Lluvia Allena" (debaixo da chuva alheia) e "Amor que Serena Termina?" ( Record, esgotado). 

Gelman vivia no México havia mais de 20 anos. 
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Fonte: Folha online, 14/01/2014

DO BLOG: http://eupassarin.wordpress.com/2013/07/11/

Poemas que traduzi de Juan Gelman (Argentina).

LIMITES

Quem disse alguma vez: até aqui a sede,
até aqui a água?
Quem disse alguma vez: até aqui o ar,
até aqui o fogo?
Quem disse alguma vez: até aqui o amor,
até aqui o ódio?
Quem disse alguma vez: até aqui o homem,
até aqui não?
Só a esperança tem os joelhos nítidos.
Sangram.

O JOGO EM QUE ANDAMOS

Se me permitissem escolher, eu escolheria
esta saúde de saber que estamos muito doentes,
esta felicidade de andarmos tão infelizes.
Se me permitissem escolher, eu escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que ando impuro.
Se me permitissem escolher, eu escolheria
este amor com que odeio,
esta esperança que come pães desesperados.
Aqui se passa, senhores,
que me juegoaposto a morte.

CONFIANÇAS

Senta à mesa e escreve…
Com este poema não tomarás o poder, dizem…
Com estes versos não farás a revolução, dizem…
Nem com milhares de versos farás a revolução, dizem…
E mais…
Esses versos não vão servir a ele para que
peões, professores, lenhadores
vivam melhor, comam melhor.
Ou para que ele mesmo coma, viva melhor.
Nem para apaixonar a outros servirão.
Não ganhará dinheiro com eles.
Não entrará no cinema grátis com eles.
Não lhe darão roupa por eles.
Não conseguirá tabaco ou vinho por eles.
Nem papagaios,
Nem cachecóis,
nem barcos,
nem touros,
nem guarda-chuvas conseguirá por eles.
Se for por eles,
a chuva o molhará.
Não alcançará perdão ou graça por eles.
Com este poema não tomarás o poder, dizem…
 Com estes versos não farás a revolução, dizem…
Nem com milhares de versos farás a revolução, dizem…
Senta à mesa e escreve…

XCI

toda poesia é hostil ao capitalismo
pode tornar-se seca e dura mas não
porque seja pobre mas
para não contribuir com a riqueza oficial
pode ser sua maneira de protestar de
tornar-se magra já que há fome
amarela de sede e sofrida
de pura dor que há pode ser que
ao contrário abra os becos do delírio e as bestas
cantem atropelando-se vivas de
fúria de calor sem destino pode
ser que se negue a si mesma como outra
maneira de vencer a morte
assim como se chora nos velórios
poetas de hoje
poetas deste tempo
nos separaram do rebanho não sei que será de nós
conservadores comunistas apolíticos quando
aconteça o que vai acontecer mas
toda poesia é hostil ao capitalismo.


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