Antonio Prata*
Cabral chegando à Bahia com aquele bando de marmanjo, atrapalhando o lazer dos índios;
é ou não é 'rolezinho'?
Esta foi uma semana temática: o aumento dos juros, Cauã Reymond e os
bigodes ensanguentados de Sir Ney foram todos pisoteados pelos Mizunos
dos funks da periferia. A curiosidade é geral: "rolezinho" é do bem?
"Rolezinho" é do mal? "Rolezinho" é baderna? "Rolezinho" é cultural? O
"Rolezinho" de um termina onde começa o Rolexinho do outro? Ou
versa-vice?
Para respondermos a essas perguntas, é preciso compreender, antes de
mais nada, que não se trata de um fenômeno recente. Muito pelo
contrário. O que foi, afinal de contas, o fuzuê de Jesus contra os
vendilhões? O nazareno chegou ao templo de Jerusalém montando um
jumentinho (praticamente um Chevette, pra época), trazendo na cola uma
ruidosa multidão da periferia (Jericó, Betel e outras quebradas),
"expulsou a todos que ali vendiam e compravam; também derrubou as mesas
dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas" (Mateus, 21:12-17).
Se os centuriões dispusessem de cruzes de borracha e coroas de espinho
de efeito moral, Roma talvez durasse mais uns três ou quatro séculos.
Esqueçamos Átila, os Godos, Visigodos e Germânicos --nosso espaço é
curto-- e saltemos 1500 anos: Cabral chegando à Bahia com aquele bando
de marmanjo, atrapalhando o lazer dos índios que só queriam passear com a
família; é ou não é "rolezinho"? "Rolezaum", na verdade, dada a
distância percorrida. Dizem que, depois dos primeiros atos de vandalismo
(paus-brasil eram derrubados como se fossem orelhões), os pataxós
tentaram entrar com uma liminar, mas a Justiça da época era
avançadíssima e já estava do lado dos poderosos, de modo que não apenas
negou o pedido como o inverteu; os índios é que foram acusados de
"rolezinho" nas terras de El Rey.
Ainda que, sob certa perspectiva, a história do mundo se confunda com a
história do "rolezinho", foi no século 20 que ele aflorou em todo seu
esplendor. (É sabido que Eric Hobsbawn, na sua obra mais famosa, ficou
em dúvida entre os títulos "Era dos Extremos" e "Era dos Rolês".) O rol
dos grandes promotores de "rolezinhos" inclui de Mahatma Gandhi aos
Beatles, de Rosa Parks (a moça afrodiferenciada que, em 1955, sentou no
assento de ônibus reservado a brancos, no Alabama) ao Roger, do Ultraje a
Rigor ("Nós vamos invadir sua praia"), dos hippies à Gaviões da Fiel,
que em 1976 promoveu a "Invasão Corintiana" ao Rio de Janeiro.
Diante da reaparição do fenômeno, tem muita gente preocupada: o
"rolezinho", em sua forma atual, veio para ficar? Caso a resposta seja
positiva: áreas VIP dariam conta de recolocar cada um em seu lugar ou
será necessária a construção de novos shoppings dentro dos shoppings? Eu
diria ao leitor mais aflito que não se preocupe, pois a prefeitura
apareceu com uma ótima solução: que os encontros sejam feitos não mais
dentro dos estabelecimentos, mas nos estacionamentos. É a ideia mais
brilhante diante de um "rolezinho" desde que Maria Antonieta sugeriu aos
que não tinham pão que comessem brioches. Como se sabe, sem pão,
brioches ou opções de lazer na periferia de Paris, a galera foi toda
zoar na Bastilha.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 19/01/2014
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