Uma dica da pesquisa de ponta em psicologia para quem organiza acordos
diplomáticos ou reuniões de condomínio: se você quer minimizar a chance
de que alguém tente passar a perna nos demais presentes, pinte um grande
olho na parede do salão.
Parece ridículo, mas é um conselho apoiado por fortes evidências
experimentais. Quando voluntários que participam de jogos nos quais há a
possibilidade de trapacear são expostos a fotografias de olhos,
desenhos de olhos ou mesmo representações totalmente esquemáticas de
olhos (dois círculos, por exemplo), a chance de que alguém burle as
regras cai consideravelmente.
"Gente vigiada é gente bem comportada", resume Ara Norenzayan,
pesquisador da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e autor do
livro "Big Gods" ("Deuses Grandes"). Na obra, ainda sem versão no
Brasil, Norenzayan argumenta que essa é a principal razão pela qual a
maioria dos seres humanos de hoje acredita em divindades poderosas e
preocupadas com o comportamento ético: independentemente de serem reais
ou não, tais figuras ajudam a controlar a tentação de passar a perna nos
outros em sociedades complexas, nas quais interações entre estranhos
são comuns.
Daí outra máxima cunhada por Norenzayan para explicar sua tese: "Para
grupos grandes, deuses grandes". Com "grandes" o psicólogo social quer
dizer deuses que sabem tudo (ou quase tudo) e usam esse acesso a
informações privilegiadas para punir malfeitores, e sociedades com
dezenas de milhares de indivíduos ou mais.
CAÇADORES-COLETORES
Isso porque, curiosamente, embora a crença em seres sobrenaturais esteja
presente em todas as sociedades humanas, são muito raros os grupos de
caçadores-coletores (formados por dezenas ou, no máximo, algumas
centenas de indivíduos) que creem em "deuses grandes".
Outro fato curioso é que, ao analisar dados antropológicos padronizados
de centenas de povos mundo afora, os pesquisadores também verificaram
que, quanto maior o tamanho (em número de pessoas) de uma sociedade,
maior também é a chance de seus membros adorarem "deuses grandes".
Esse foi um dos fatores que motivou o pesquisador de origem libanesa a
propor a ideia de que esse tipo de divindade só "evolui" em sociedades
que alcançam determinada massa crítica de tamanho.
Em grupos pequenos, coisas como a proximidade de parentesco, o contato
diário entre todos os membros e a falta de hierarquias rígidas seriam
suficientes para manter quase todo mundo mais ou menos na linha. Quando
grande parte das interações sociais passam a ser anônimas (como numa
cidade de milhares de habitantes), entretanto, só o "monitoramento
divino" teria sido suficiente para impedir o colapso dos grandes grupos.
Além da influência um tanto bizarra dos olhos sobre o comportamento de
voluntários em laboratório, também há indícios de que, quando as pessoas
são sutilmente influenciadas ao verem palavras com significado
religioso numa tela de computador, seu comportamento em jogos que pagam
pequenas quantias em dinheiro como recompensa melhora consideravelmente.
Além de trapacear menos, também tendem a punir trapaceiros com mais
rigor e a dividir mais os recursos que recebem com outros jogadores.
Detalhe importante: tais palavras ("Deus", "espírito", "oração" etc.)
aparecem na tela por frações de segundo, de modo que não são
conscientemente percebidas pelos participantes.
LADO NEGRO DA FORÇA
Tudo isso parece muito bom, mas as pesquisas de Norenzayan e outros
cientistas da área deixam muito claro que há um lado negro na maneira
como os grupos que adoram "deuses grandes" se comportam.
A tendência a ser mais cooperativo costuma ser mais forte quando ela
gera dividendos de reputação para a pessoa religiosa, indicam
experimentos. E o comportamento mais ético em relação a quem pertence ao
mesmo grupo religioso tende a ser compensado por uma competição mais
feroz com quem está fora desse grupo.
Também está longe de ser verdade a ideia de que não é possível ser ético
sem crer em Deus, claro. Algumas das sociedades mais pacíficas,
prósperas e igualitárias do mundo, como as da Escandinávia, hoje têm
predominância de ateus.
Norenzayan argumenta que isso se deve à força e ao bom funcionamento das instituições seculares nesses países.
De fato, em nações desenvolvidas, o mesmo efeito de bom comportamento
trazido pelas mensagens subliminares com palavras religiosas pode ser
conseguido, em laboratório, usando termos seculares, como "tribunal",
"polícia" e "juiz". Essas sociedades com instituições seculares
confiáveis teriam "subido a escada da religião e, depois, chutaram-na
para longe", diz o pesquisador.
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POR REINALDO JOSÉ LOPES
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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