sábado, 25 de janeiro de 2014

Várias formas de envelhecer

Fernando Reinach*

"No caso dos seres humanos, o envelhecimento 
se inicia aos 15 anos." 
Imagine como seria a vida se você envelhecesse como uma tartaruga. Em vez de seu risco de morrer aumentar a cada ano, ele iria diminuir. Quanto mais velho, mais difícil de morrer. Se você fosse uma tartaruga, à medida que você envelhecesse, sua capacidade reprodutiva (capacidade de fazer sexo e ter filhos) iria aumentando e não diminuindo, como ocorre conosco, pobres humanos. E este processo só seria interrompido quando você morresse. Pela primeira vez, os cientistas conseguiram comparar o processo de envelhecimento de 46 espécies de animais e plantas.

Não é fácil definir quando inicia o envelhecimento de um ser vivo. Os biólogos, para simplificar a análise, dividiram arbitrariamente a vida dos seres vivos em duas etapas. A primeira fase, de desenvolvimento, se inicia com a fecundação e dura até o ser vivo se tornar capaz de reproduzir. O envelhecimento é definido como o período que começa logo que acabamos nosso desenvolvimento, mais precisamente quando atingimos a idade reprodutiva, e termina quando morremos. A vantagem desse critério é que ele pode ser usado para quase todos os seres vivos.

No caso dos seres humanos, o envelhecimento se inicia aos 15 anos. Nos primeiros 10 a 20 anos do processo de envelhecimento existe um rápido aumento em nossa capacidade reprodutiva (o pico ocorre aos 25 anos), seguido por uma rápida diminuição que dura mais uma década. O grosso das crianças nasce quando a idade média dos pais está entre 15 e 35 anos. Durante este período os riscos de morrermos a cada ano (taxa de mortalidade) é muito baixa (por isso o seguro saúde é mais barato). Passado este período, nossa taxa de mortalidade aumenta exponencialmente e não para mais de crescer. Nosso risco de morrer aumenta a cada ano que passa e aumenta cada vez mais rápido. O resultado é que o número de sobreviventes diminui rapidamente a partir dos 75 anos, vertiginosamente a partir dos 85, e poucos chegam aos 100 anos.

Agora os cientistas mediram estes mesmos fatores (capacidade reprodutiva, taxa de mortalidade e porcentagem da população ainda viva) em 46 espécies de plantas e animais.

Inicialmente os cientistas definiram o início do envelhecimento (início do processo reprodutivo) e o fim do envelhecimento (quando menos de 5% dos animais ou plantas ainda estão vivos) para cada espécie. O ser humano começa o envelhecimento aos 15 anos e termina por volta dos 85 anos. O leão inicia aos 2 anos e termina aos 17 anos, as tartarugas iniciam aos 12 e terminam aos 64, a mosca de fruta inicia seu envelhecimento no dia 1 e termina no dia 52, e assim por diante. 

Em seguida os cientistas determinaram o que ocorria com uma população desses animais entre o início e o fim do envelhecimento. Por definição, o número de indivíduos que está vivo passa de 100% no início do período para 5% durante esse intervalo de tempo. Mas o curioso é como a porcentagem de indivíduos que sobrevive evolui ao longo do tempo. No ser humano, a porcentagem fica próxima a 100% durante o início do envelhecimento e depois dos 75 anos cai rapidamente. Outros animais e plantas têm perfil semelhante ao do homem, como macacos, o leão, algumas moscas, e muitas plantas.

Mas existem animais e plantas em que a curva é uma reta descendente, a população vai diminuindo com uma taxa constante ao longo do tempo. O risco de morrer durante todo o envelhecimento permanece o mesmo. É o caso de sapos, marmotas, o agave e os crocodilos. Em um terceiro grupo de seres vivos ocorre o contrário, a população morre mais rapidamente no início do período de envelhecimento e mais lentamente a medida que o tempo passa. É o caso das tartarugas, e de árvores como o carvalho.

Finalmente os cientistas examinaram como variava a taxa de reprodução durante o período de envelhecimento. Descobriram que a taxa também varia muito entre os diferentes tipos de seres vivos. Macacos são parecidos conosco, se reproduzem logo no início do processo de envelhecimento. Os leões apresentam dois picos de reprodução, um logo no início, outro mais tarde, e o mesmo ocorre com as moscas de fruta. Algumas plantas, as tartarugas e os crocodilos aumentam gradativamente sua capacidade reprodutiva ao longo do envelhecimento. Outros a mantêm quase constante, como o rododendro e as hidras.

O resultado desta comparação demonstra que o processo de envelhecimento varia muito de um ser vivo para outro, e não parece estar correlacionado com o tipo de ser vivo. Plantas e animais muito distantes filogeneticamente têm envelhecimentos semelhantes, enquanto que animais próximos podem apresentar processos de envelhecimento muito diferentes.

Estes novos dados também demonstram que o processo de envelhecimento dos seres humanos não é a regra, mas é somente um modelo, entre os vários possíveis. Esta descoberta é surpreendente pois sempre imaginamos que o envelhecimento de outras espécies é semelhante ao que ocorre conosco. Pura ilusão. 

Fiquei pensando... E se pudesse escolher como gostaria de envelhecer? Fácil, quero envelhecer como uma tartaruga, perder os amigos lentamente, e ter certeza de que os que ainda vivem me acompanharão por mais tempo. E o melhor para a juventude mental, acasalar e ter filhos até a morte. Só não gostei da ideia de abandonar os ovos e não ver os filhos crescerem.
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*Fernando Reinach é biólogo.
Mais informações: Diversity of Ageing Across the Tree of Life. Nature vol. 505 pag 169 2013.
Fonte: Estadão online, 26/01/2014 
Imagem da Internet

Um comentário:

  1. Em todas as espécies exemplificadas vamos concluir que o sentido é tanto para evitar a extinção de espécies. Não há interesse que espécies com larga reprodução morram jovens ou assumam encargos na velhice. Embora o estudo não fale em generalizações, pode não ter considerado a preservação das espécies via caracteres viáveis ou testados em vários cenários ( lugares, habitat). Hidras e rododentros certamente que contam uma historia diferente para a Constancia da taxa de reprodução. A pesquisa pode conduzir a outros resultados. Na questão celular, sugerindo que alguns princípios a ciência do futuro poderá tomar de empréstimo de uns seres e adota-los em outros. Se pudéssemos, admitiríamos uma fator aqui chamado desordem em todas as especies. Possivel que esteja na casa de 30% de cada espécie. Tal fator marcaria a falta de assistência dos que morrem precocemente.

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