Lya Luft*
"Um
dia me pediram para escrever sobre o “casal perfeito”: bom para que
gosta de desafios. Minha primeira providência foi cercar com aspas o
vocábulo “perfeito” (…) Imediatamente ocorreu-me que parceiros de um
casal “perfeito” precisam se querer bem como se querem os bons amigos, e
temperar esse afeto com a sensualidade que distingue amizade de amor.
Duas pessoas que compreendem, sem ressentimento nem cobranças, a
inevitável dose de peculiaridades do ser humano e sua dificuldade de
comunicação. Em última análise, toda a sua complicação.
A
melhor parceria deve ser aquela em que um aceita o outro sem ter que
submeter a qualquer coisa pelo outro; em que um aprecia e admira o
outro, mas tem por ele ternura e cuidados. Sobretudo aquela em que um
parceiro não investe no outro todos os seus projetos, à primeira
decepção passando de amor a rancor.
Se
o outro servir de cabide para nossos sonhos mais extravagantes de
perfeição, o primeiro vento contrário derruba o pobre ídolo que não tem
culpa de nada.
No
casamento saudável há um propósito geral: quero passar com você o
melhor de meus dias, construir com você uma relação gostosa, importante e
definitiva.
Importante
não correr para o braços do outro fugindo da chatice da família, da
mesmice da solidão, do tédio. É essencial não se lançar no pescoço do
outro caindo na armadilha do “enfim nunca mais só!”, porque numa união
com expectativas exageradas decreta-se o começo do exílio.
Amor
bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária. A
conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha
complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, o emprego sem graça e o
patrão grosseiro. Quando cai aquela última gota – que pode ser uma
trivialíssima gota -, a gente explode. Quer matar e morrer e nos damos
conta: nada mais em nossa relação é como era no começo. Não é nem de
longe como planejávamos que fosse."
(Perdas e Ganhos – Ed. Record, p. 77-78).
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