domingo, 26 de janeiro de 2014

O CASAL PERFEITO

Lya Luft*

"Um dia me pediram para escrever sobre o “casal perfeito”: bom para que gosta de desafios. Minha primeira providência foi cercar com aspas o vocábulo “perfeito” (…) Imediatamente ocorreu-me que parceiros de um casal “perfeito” precisam se querer bem como se querem os bons amigos, e temperar esse afeto com a sensualidade que distingue amizade de amor. Duas pessoas que compreendem, sem ressentimento nem cobranças, a inevitável dose de peculiaridades do ser humano e sua dificuldade de comunicação. Em última análise, toda a sua complicação.

A melhor parceria deve ser aquela em que um aceita o outro sem ter que submeter a qualquer coisa pelo outro; em que um aprecia e admira o outro, mas tem por ele ternura e cuidados. Sobretudo aquela em que um parceiro não investe no outro todos os seus projetos, à primeira decepção passando de amor a rancor.

Se o outro servir de cabide para nossos sonhos mais extravagantes de perfeição, o primeiro vento contrário derruba o pobre ídolo que não tem culpa de nada.

No casamento saudável há um propósito geral: quero passar com você o melhor de meus dias, construir com você uma relação gostosa, importante e definitiva.

Importante não correr para o braços do outro fugindo da chatice da família, da mesmice da solidão, do tédio. É essencial não se lançar no pescoço do outro caindo na armadilha do “enfim nunca mais só!”, porque numa união com expectativas exageradas decreta-se o começo do exílio.

Amor bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, o emprego sem graça e o patrão grosseiro. Quando cai aquela última gota – que pode ser uma trivialíssima gota -, a gente explode. Quer matar e morrer e nos damos conta: nada mais em nossa relação é como era no começo. Não é nem de longe como planejávamos que fosse."

(Perdas e Ganhos – Ed. Record, p. 77-78).

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