Hélio Schwartsman*
Deu na "Ilustrada" que o cinema cult redescobriu o
sexo explícito. As salas mais respeitáveis da cidade estão exibindo
fitas como "Ninfomaníaca", "Azul é a Cor Mais Quente" e "Tatuagem", que
não recorrem a lençóis nem à contraluz na hora de mostrar as coisas como
elas são. Isso é arte erótica ou pornografia? E será que existe uma
diferença transcendental entre ambas?
Creio que não, mas, se há, ela é bem mais tênue do que se imagina. Uma
boa definição é a proposta pelo filósofo e historiador da arte Sarane
Alexandrian em sua deliciosa "História da Literatura Erótica". Para
Alexandrian, o erótico nada mais é do que o "pornográfico revalorizado
em função de uma ideia do amor ou da vida social". O erótico seria, em
bom português, a pornografia com grife.
O interessante do livro de Alexandrian é que ele mostra que as coisas
nem sempre foram assim. Embora vejamos a Idade Média como um período de
obscurantismo –e na maioria dos contextos era mesmo–, na esfera sexual
reinava bastante tolerância. Um exemplo eloquente é o de Gian Francesco
Poggio (1380-1459), que, enquanto secretariava o papa Bonifácio 9°,
escreveu "Facécias", obra que traz historietas de forte caráter sexual
contadas em bom latim.
O ponto central, me parece, é que pelo menos desde Freud já não
deveríamos precisar de pretextos elevados para consumir sem culpa obras
que tratem de sexo. Não tenho nada contra grandes cineastas e artistas
tratarem do assunto, mas também não tenho nada contra as abordagens
escancaradamente vulgares.
Se a função da ficção é fazer com que o observador experimente as
sensações retratadas de modo a prepará-lo para a vida, então a
pornografia é a mais eficaz das narrativas, já que a reação fisiológica
de quem é exposto a ela tende a ser igual à de quem está diante do
objeto real. Assistir a um filme erótico é uma experiência mais próxima
do original do que ver encenado um homicídio.
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*Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae
Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.
Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas,
sábados e domingos e às quintas no site.
Fonte: Folha on line, 11/01/2014
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