Rubem Alves*
Chegaram-me chegaram pelo correio esboços de bordados. Quem me enviava,
desconhecida, era uma bordadeira chamada Ângela Dumont, de Brasília, com
as suas irmãs também bordadeiras, Antônia Diniz, Marilu, Martha, Sávia.
Elas bordavam o que o irmão Demóstenes traçava. Me fazia um pedido
estranho. O normal é que o escrito venha primeiro e o desenho depois. O
que se pedia de mim era a inversão da ordem. Me enviavam os esboços sem
palavras e pediam que eu lhes desse nomes. No princípio, os bordados
mudos. O verbo viria depois. Lembro-me do momento: após o café da manhã,
os desenhos sobre a mesa e eu, à procura das palavras. Até que sorri:
havia conseguido fazer os desenhos contar essa estória... E foi isso que
os desenhos disseram:
“Olhem para o menino. Ele está feliz. Ganhou uma bicicleta. Era o seu maior desejo. É a primeira vez que monta numa. Ainda não sabe andar direito. Mas não importa. Uma vez tem de ser a primeira.
O menino ama a menina. Convidou-a para passear com ele de bicicleta. Ela aceitou, com uma condição: queria levar consigo o seu pássaro, dentro de uma gaiola enorme.
O menino preferia que ela fosse sozinha com ele. Ficou triste. Mas concordou. A gaiola era grande demais. Não cabia na bicicleta. A menina teve de fazer o passeio olhando para trás. Quem carrega gaiolas olha sempre para trás. O menino olhava para frente. Olhando para trás a menina não podia ver as mesmas coisas que o menino via.
A bicicleta ficou com dó do pássaro. Pensou que morreria de tristeza se alguém a prendesse numa gaiola. Resolveu ajudá-lo. Aproveitando-sedo fato de que o menino ainda não sabia andar direito, virou o guidão, endureceu o freio e foi bater direto numa árvore.
Tudo se espalhou pelo chão. O menino caiu. A menina caiu. A gaiola caiu. O que estava grudado desgrudou. O que estava amarrado desamarrou. O que estava embrulhado desembrulhou. A porta da gaiola se abriu. O pássaro saiu.
Saiu e parou. Não voou. Queria ter a certeza de que a menina e o menino não haviam se machucado. Viu que eles estavam bem. Cantou, então, para eles, o canto da despedida e voou.
A menina ficou triste porque o pássaro se foi. Mas era preciso consertar a bicicleta para continuar o passeio. Ela e o menino trabalharam juntos e a bicicleta ficou como nova.
Mas nem a menina e nem o menino sabiam que, quando uma gaiola é aberta, as borboletas saem dos casulos que as prendem e se põem a voar. Borboletas, milhares de borboletas, de todas as formas, cores e tamanhos, começaram a seguir o menino, a menina e a bicicleta. Elas tinham estado dormindo na árvore e acordaram com o canto do pássaro.
Agora o menino, a menina e a bicicleta pareciam um cometa, com uma longa cauda colorida de borboletas. É isso que é o arco-iris.
Sem gaiola para atrapalhar, a menina abraçou o menino. Um menino abraçado é melhor que um pássaro engaiolado.
Abraçados, os dois olhavam para a frente. Conversavam sobre as coisas bonitas que viam. O menino ficou feliz. A menina ficou feliz. A bicicleta ficou feliz.
Quanto ao pássaro, foi transformado num anjo, com a missão de proteger o menino, a menina, e a bicicleta, guardando os seus caminhos, os desvios, as trilhas e até mesmo as forquilhas onde os fantasmas fazem amor...”
“Olhem para o menino. Ele está feliz. Ganhou uma bicicleta. Era o seu maior desejo. É a primeira vez que monta numa. Ainda não sabe andar direito. Mas não importa. Uma vez tem de ser a primeira.
O menino ama a menina. Convidou-a para passear com ele de bicicleta. Ela aceitou, com uma condição: queria levar consigo o seu pássaro, dentro de uma gaiola enorme.
O menino preferia que ela fosse sozinha com ele. Ficou triste. Mas concordou. A gaiola era grande demais. Não cabia na bicicleta. A menina teve de fazer o passeio olhando para trás. Quem carrega gaiolas olha sempre para trás. O menino olhava para frente. Olhando para trás a menina não podia ver as mesmas coisas que o menino via.
A bicicleta ficou com dó do pássaro. Pensou que morreria de tristeza se alguém a prendesse numa gaiola. Resolveu ajudá-lo. Aproveitando-sedo fato de que o menino ainda não sabia andar direito, virou o guidão, endureceu o freio e foi bater direto numa árvore.
Tudo se espalhou pelo chão. O menino caiu. A menina caiu. A gaiola caiu. O que estava grudado desgrudou. O que estava amarrado desamarrou. O que estava embrulhado desembrulhou. A porta da gaiola se abriu. O pássaro saiu.
Saiu e parou. Não voou. Queria ter a certeza de que a menina e o menino não haviam se machucado. Viu que eles estavam bem. Cantou, então, para eles, o canto da despedida e voou.
A menina ficou triste porque o pássaro se foi. Mas era preciso consertar a bicicleta para continuar o passeio. Ela e o menino trabalharam juntos e a bicicleta ficou como nova.
Mas nem a menina e nem o menino sabiam que, quando uma gaiola é aberta, as borboletas saem dos casulos que as prendem e se põem a voar. Borboletas, milhares de borboletas, de todas as formas, cores e tamanhos, começaram a seguir o menino, a menina e a bicicleta. Elas tinham estado dormindo na árvore e acordaram com o canto do pássaro.
Agora o menino, a menina e a bicicleta pareciam um cometa, com uma longa cauda colorida de borboletas. É isso que é o arco-iris.
Sem gaiola para atrapalhar, a menina abraçou o menino. Um menino abraçado é melhor que um pássaro engaiolado.
Abraçados, os dois olhavam para a frente. Conversavam sobre as coisas bonitas que viam. O menino ficou feliz. A menina ficou feliz. A bicicleta ficou feliz.
Quanto ao pássaro, foi transformado num anjo, com a missão de proteger o menino, a menina, e a bicicleta, guardando os seus caminhos, os desvios, as trilhas e até mesmo as forquilhas onde os fantasmas fazem amor...”
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* Educador. Escritor. Teólogo.
Fonte: Correio Popular online, acesso 02/01/2014
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