domingo, 26 de janeiro de 2014

O senhor da dança (continuação)

Rubem Alves*
Numa de suas cartas ele me dissera que marcharam para os silos atômicos cantando o hino 'The Lord of the Dance'. Era o seu hino preferido. Esse hino nasceu de um pequeno grupo religioso chamado 'Shakers', que existiu no século dezenove na Nova Inglaterra. O que há de curioso sobre esse grupo é que seus cultos eram orgias de dança!

O nome original da canção é 'Simple Gifts', dádivas singelas. Faz anos, visitando a aldeia onde os Shakers viviam, na Nova Inglaterra, comprei um CD de 'Simple Gifts', de total simplicidade. Flauta e violão. Esse tema é tão simples e tão bonito que tem sido usado em vários contextos musicais.

Aaron Copland, compositor norte-americano fez desse hino o tema do penúltimo movimento da sua peça sinfônica 'Appalachian Spring'. Mas esse tema ganhou reconhecimento universal com o espetáculo de dança 'The Lord of the Dance' (há em DVD) e a performance fantástica do bailarino Michael Flatley. Na abertura do show uma ninfinha toca o tema numa flauta doce...

* * *
Imaginei que vocês, meus leitores, poderiam ficar curiosos acerca da letra desse hino. Tentei traduzir. Ficou feio, sem rima e sem métrica. Então vou contar com as minhas palavras a estória que ele conta.
É a história de Jesus, de um jeito diferente, um deus dançarino! (Nietzsche dizia que ele só acreditava num Deus que soubesse dançar...)

“Dançou na manhã quando o mundo começou.
Dançou com o sol, com a lua e as estrelas...
E achando que o melhor lugar para dançar era a Terra, deixou o céu onde vivia pra viver entre nós...
Mas há muitos que não gostam de dançar.
São duros de cara feia.
Dançou no dia santo e curou um aleijado.
Os santarrões fecharam a cara e disseram que era pecado.
Quem não gosta de dançar é o Diabo, tipo sério que só gosta de velórios.
Resolveu então acabar com o dançarino: pulou nas suas costas e o matou.
Mas mesmo assim o Senhor da Dança dançou e sobre a morte triunfou.
Porque a dança é a vida que volta sempre.”
Assim, diz o refrão, “dance, dance, não importa quem você seja. Da dança eu sou o Senhor. E sou eu que vou lhe ensinar a coreografia de amor...”

* * *

Recebi uma carta datada de 9 de maio de 2001, escrita por uma mulher. “Estou escrevendo a pedido de Ladon Sheats, que pede que nos lembremos dele em pensamentos e orações. Ladon foi hospitalizado para cirurgia para resolver um problema de obstrução da bile. No meio da operação os médicos descobriram câncer de pâncreas. O tumor de pâncreas era inoperável e os médicos lhe deram de três a nove meses de vida (...). Ladon decidiu focar a sua vida intensamente em cada dia ao invés de tentar radioterapia, quimioterapia ou terapias alternativas... Ladon crê que a melhor terapia é gozar a vida, amor, oração, música,riso e comida saudável.Ele nos disse: ‘Se Deus quiser me curar Ela o fará. Caso contrário eu tentarei morrer da mesma forma como vivi’. Wendell Berry o disse de maneira bonita: ‘Ao me levantar, que eu me levante como um pássaro, sem lamentações, alegremente. E quando eu cair, que eu caia como uma folha, sem lamentações, alegremente...’” A carta era uma despedida.
(continua)
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* Educador. Filósofo. Teólogo
Fonte: Correio Popular online, 24/01/2014
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