Outra noite, estava parado do lado de fora do túnel de acesso dos
jogadores ao campo, antes de um jogo do Paris Saint-Germain, quando
Zlatan Ibrahimovic passou por mim. Foi intimidante. De perto, o atacante
sueco parecia um super-herói: 1,95 metro de altura, um peitoral do
tamanho do de Pamela Anderson e o resplendor de alguém que fez seus
exercícios, teve alimentação saudável e dormiu a sesta todos os dias
durante anos.
Os grandes jogadores de hoje têm uma forma incomparavelmente melhor
que a de seus antecessores. A perfeição, entretanto, vai além da parte
física. Estes são os melhores tempos em toda a história do futebol para
se ser uma estrela. O jogo foi reestruturado para seu benefício.
As estrelas de futebol costumavam ser como estrelas de rock. Eram
perseguidas por tietes. A expectativa era de que o corpo aguentasse até
os 30 anos. Não ganhavam fortunas: Eusébio (que morreu no dia 5) ganhava
cerca de £ 4 mil (R$ 15,5 mil) no Benfica em 1969. E a maioria vivia em
grande estilo. Afinal, ser um gênio significava a falta de necessidade
de se esforçar muito. Ferenc Puskás, nos anos 1950, era gordo. George
Best, nos 60, alcóolatra. Johan Cruyff, nos 70, fumante inveterado. E
Diego Maradona, nos 80, usuário pesado de cocaína. As tentações do
estrelato eram imponentes; sucumbir era quase um objetivo.
Grandes jogadores têm uma forma incomparavelmente melhor que a de seus antecessores, mas a perfeição
vai além da parte física
Best, depois de 1968, e Maradona e Pelé, durante a maior parte de
suas carreiras, jogaram com companheiros de time pouco notáveis.
Maradona, no Napoli, muitas vezes recebia os passes nas costas - e,
ainda assim, gentilmente, aplaudia. Poucos aspiravam a brilhar
semanalmente. Pelé estava sempre percorrendo o planeta para participar
de jogos de exibição insignificantes. A Argentina dos anos 80, durante o
auge de Maradona, ganhou apenas 35% de seus jogos, menos do que em
qualquer outra década, segundo cálculos do economista especializado em
esportes Stefan Szymanski. Maradona revertia esses números em Copas do
Mundo, mas raramente entre elas.
Quando as estrelas do passado tentavam se sobressair, eram caçadas em
campo. Em 1966, Pelé saiu mancando da Copa do Mundo; em 1983, o
tornozelo de Maradona foi triturado pelo zagueiro Andoni Goikoetxea ("o
açougueiro de Bilbao"); e, em 1992, a carreira de Marco van Basten
chegou ao fim aos seus 28 anos, após uma contusão.
O que transformou a sorte das estrelas foi a televisão. Antes da
década de 90, poucos jogos eram televisionados. Um torcedor europeu
dificilmente viu Pelé jogar mais de dez vezes em sua carreira, seja na
TV ou em estádios. Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi criaram canais de
TV com base no futebol. De repente, o futebol precisava tornar-se mais
atraente. As estrelas agora haviam se transformado em conteúdo para as
TVs e, portanto, precisavam ser protegidas. As autoridades do futebol
adotaram linha dura contra as faltas e proibiram o carrinho por trás.
Hoje, Lionel Messi ganha falta quase sempre que é tocado.
A TV tornou os clubes mais ricos. Alguns poucos clubes ricos passaram
a monopolizar os melhores jogadores. Messi chegou no Barcelona aos 13
anos e passou toda sua carreira lá, ao lado de outros jogadores
excelentes. Fica evidente quanto isso ajuda seu desempenho quando se
veem as dificuldades que encontra para atuar com jogadores de menor
categoria na seleção Argentina.
Os grandes clubes fizeram um novo acordo com as estrelas: vamos lhes
pagar fortunas se vocês viverem como profissionais. Ibrahimovic diz que,
quando se tem o talento dele, o sucesso é uma questão de escolha:
simplesmente é preciso decidir esforçar-se. Hoje, as estrelas se
esforçam.
O exemplo definitivo é Cristiano Ronaldo (eleito o melhor jogador do
mundo na segunda-feira). Jogadores "de explosão", com alta proporção de
fibras musculares de rápida contração, tendem a ter carreiras mais
curtas. Isso aconteceu com estrelas dos anos 90, como Ronaldo e Michael
Owen. Cristiano, no entanto, por meio de dietas e exercícios constantes,
conseguiu fortalecer-se. Às vezes, depois de voltar de jogos no
exterior, ele fica em banheiras com gelo às 5 horas da manhã. É
considerado arrogante por acreditar, acertadamente, que se tornou o que é
graças a muito trabalho. Atualmente, uma campanha com pôsteres de 19
metros de altura com o jogador em cueca domina as ruas de Madri. Não é
uma campanha publicitária que alguém sequer tenha imaginado para
Maradona.
Os jogadores de hoje raramente se machucam. São equipados para
produzir genialidades duas vezes por semana quase para sempre. Cristiano
tem mais de um gol por jogo de média há quase cinco anos no Real
Madrid, maior índice na história do futebol espanhol. Em 2012, Messi
marcou um recorde de 91 gols.
A grandeza das estrelas atuais pode parecer algo automático. O
técnico do Arsenal, Arsène Wenger, disse que Messi parece ser um jogador
de PlayStation. Algo se perdeu em meio a todo esse processo. Maradona
oferecia o espetáculo da luta do jogador contra seu próprio "eu". Messi
oferece apenas genialidades perfeitamente profissionais, como se Claude
Monet tivesse assinado um contrato para produzir obras-primas duas vezes
por semana e, então, realmente as produzisse.
Messi é um gênio como Monet, mas a genialidade de Messi é mais fácil
de apreciar para a maioria das pessoas. Ele permite aos assinantes de
TVs pagas em todo o mundo vislumbrar flashes de algo superior. Nas
palavras de Nico Scheepmaker, biógrafo de Cruyff, nossas vidas hoje são
mais ricas e mais prazerosas do que teriam sido sem Messi, Cristiano
Ronaldo e Ibrahimovic. Devemos essa felicidade, em grande parte, a
Murdoch e Berlusconi.
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Por Simon Kuper | Do Financial Times
Fonte: Valor Econômico online, 17/01/2014
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