Marcelo Gleiser*
A chave do nosso sucesso não está no tamanho do cérebro,
e sim na riqueza da interconectividade neuronal
Talvez o universo seja a maior coisa que exista, mas sem nosso cérebro
não teríamos a menor noção disso. Aliás, sem nosso cérebro não teríamos
noção de qualquer coisa. É realmente espantoso que tudo o que somos, das
nossas personalidades às nossas memórias, das nossas emoções à nossa
coordenação motora, seja orquestrado por uma massa de neurônios e suas
ligações de não mais do que 1,4 kg.
Como comparação, o cérebro de um orangotango pesa 370 g, enquanto que o
de um elefante pesa 4,8 kg. Se você acha que o segredo do nosso cérebro
está no seu peso, veja que o de um camelo pesa 762 g e o de um golfinho,
1,6 kg. Mesmo que golfinhos sejam bem inteligentes, não escrevem poemas
ou constroem radiotelescópios.
Também não solucionamos o mistério comparando o peso do cérebro com o
peso do corpo. Por exemplo, a razão do peso do cérebro para o do corpo
nos humanos é de 1:40, a mesma que para ratos. Já para cachorros, a
razão é de 1:125 e para formigas de 1:7. Formigas certamente são
inteligentes, especialmente ao atuar em grupos (inteligência coletiva),
mas não mais do que cachorros ou humanos.
Ao acompanharmos a evolução do cérebro a partir de nossos antepassados
primatas, vemos um enorme crescimento começando em torno de 3 milhões de
anos atrás. Mesmo assim, tamanho não parece ser a resposta. De acordo
com os neurocientistas Randy Buckner e Fenna Krienen, da Universidade de
Harvard, nos EUA, a resposta está nas conexões entre os neurônios, que é
unicamente rica nos humanos.
Para chegar a essa conclusão, os cientistas mapearam o cérebro humano e o
de outras espécies usando a ressonância magnética funcional, ou fMRI.
Nas outras espécies, os neurônios são conectados localmente: a
transmissão de sinais ocorre como numa linha de produção industrial,
linearmente de um neurônio a outro. Regiões diferentes do cérebro, as
córtices, também são interligadas dessa forma linear. Por exemplo, a
ligação entre a córtex visual e a motora permite que os músculos dos
animais reajam a algum estímulo visual, como o predador que vê uma
presa. O processo é eficiente, mas limitado.
Nos humanos, as córtices estão interligadas de forma diferente,
parecendo-se mais com os nodos de conexão de uma cidade grande do que
com uma estrada que liga um ponto a outro. Como numa cidade, existem
centros mais densos (as córtices) que estão interconectados entre si por
várias ruas e avenidas, passando por centros menores no caminho (as
córtices associativas).
Essa riqueza na interconectividade neuronal parece ser a chave do nosso
sucesso. Nos animais, a linearidade das conexões limita sua capacidade
de improvisação e de reflexão: o caminho é um só, como no exemplo do
predador e da presa. No cérebro humano, regiões diferentes podem trocar
informação sem qualquer estímulo externo, criando uma nova dimensão onde
o cérebro funciona por si só, ou seja, reflete.
Com isso, podemos pensar sobre diferentes possibilidades e ponderar
situações individualmente. (A grosso modo, um leão age como todos os
outros leões.) Como dizia o saudoso Chacrinha, quem não se comunica se
trumbica. Nossos neurônios sabem disso muito bem.
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