Dois grupos de notáveis teólogos alemães mostraram, sem
rodeios, como a doutrina da Igreja está alinhada com as preocupações ou
estilos de vida da maioria dos católicos europeus ao responderem a um
questionário do Vaticano sobre as atitudes dos fiéis relativos a
questões como uso de métodos contraceptivos e casamento homoafetivo.
Os ensinos sobre o sexo por parte da Igreja, dizem os representantes da Associação dos Teólogos Morais Alemães e da Conferência dos Teólogos Pastorais de Língua Alemã, vêm de uma “realidade idealizada” e precisam de uma “avaliação nova e em seus fundamentos”.
“Torna-se dolorosamente óbvio que o ensino moral cristão, que limita a
sexualidade ao contexto do casamento, não possa olhar de perto o
suficiente os muitas formas de sexualidade fora do casamento”, dizem os
17 signatários da resposta ao questionário proposto
em preparação para o Sínodo sobre a Família, onde se encontram alguns
dos mais respeitados acadêmicos católicos da Alemanha.
Os teólogos propõem também que a Igreja adote um paradigma
inteiramente novo para seus ensinos sobre o sexo, com base não em
avaliações morais dos atos sexuais individuais, mas sim na fragilidade
do casamento e na vulnerabilidade que as pessoas vivenciam em sua
sexualidade.
Os teólogos estão respondendo a um pedido do Vaticano, feito em de
outubro passado, para que os bispos de todo o mundo se preparem visando
um encontro global, a ocorrer este ano, dos prelados católicos. O
Vaticano distribuiu um questionário com tópicos sobre a família para ser
divulgado “tão amplamente quanto possível nos decanatos e paróquias, de
forma que as contribuições de fontes locais possam ser recebidas”.
O Papa Francisco anunciou o encontro dos bispos,
conhecido como Sínodo, para o dia 05-10-2014. O encontro irá estar
centrado sobre os “desafios pastorais para a família no contexto da
evangelização”.
O questionário, enviado do escritório do Vaticano para o Sínodo dos
Bispos, pede às conferências dos bispos para questionarem suas
populações sobre assuntos que têm dividido, de modo notável, a Igreja,
tais como o ensino católico que proíbe o uso de métodos contraceptivos
artificiais e a possibilidade de um católico divorciado se casar
novamente ou de receber a Comunhão.
A análise do questionário feita pelos teólogos alemães vem em meio a uma disputa permanente entre os líder da Conferência Episcopal da Alemanha, Dom Robert Zollitsch, e o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o recém-nomeado cardeal Gerhard Müller, sobre a forma como a Igreja deveria tratar a questão dos católicos divorciados.
No ano passado, os alemães anunciaram um plano para permitir
católicos divorciados a fazerem uma “decisão responsável em consciência”
para participar nos sacramentos depois de consultar um padre. Dom Müller repreendeu o plano no mês de outubro num artigo de 4600 palavras publicado no jornal quase oficial do Vaticano, o “L’Osservatore Romano”, dizendo que a “economia sacramental inteira” não poderia ser posta de lado por um “apelo à misericórdia” sobre o assunto.
Na segunda-feira, os teólogos enviaram ao site National Catholic
Reporter uma tradução em inglês do documento preparado por eles,
originalmente publicado em alemão no final do ano passado.
Inicialmente, os teólogos respondem a quase todas as perguntas do
questionário, apontando como ou por que motivo o ensino da Igreja não é
seguido às vezes.
Por exemplo, em resposta a uma pergunta relativa aos ensinos da
Igreja quanto ao valor da família, respondem que a doutrina da Igreja é
“praticamente não aceita” e que “frequentemente carece na relação com a
experiência”.
Continuando neste assunto, os teólogos também afirmam que as pessoas
“não se satisfazem quando a Igreja propõe apenas o celibato e o
matrimônio como formas legítimas de viver”.
“À luz do Evangelho, a questão que se deve examinar é se as outras
formas de viver poderão ser destituídas do veredicto do pecado”,
afirmam.
Já em resposta às perguntas sobre se os católicos que se divorciam
compreendem o processo da Igreja de anulações, eles escrevem que, para a
maioria das pessoas divorciadas, o processo é “irrelevante”.
“Para a maior parte das pessoas em questão, a declaração de anulação
do casamento é irrelevante porque elas não percebem a nulidade de seu
casamento, em lugar disso percebem o seu fracasso, e porque anseiam uma
vida apesar deste fracasso”, eles afirmam.
“Portanto, a prática canônica da Igreja, quanto ao matrimônio, não
substitui as próprias respostas a situações nas quais uma perspectiva de
esperança se abre na forma de um novo parceiro ou parceira após o
fracasso de um casamento vivido seriamente”.
Ao responder a perguntas sobre a proibição da Igreja de métodos
contraceptivos artificiais, os teólogos afirmam que “mesmo os católicos
mais comprometidos não percebem o uso que fazem destes métodos como
conflitantes com seu envolvimento na Igreja, o que poderia levar a
mudanças em suas práticas sacramentais”.
Na proposta em que apresentam um novo paradigma de avaliação dos atos sexuais, os teólogos dizem que a Igreja precisa apreciar a nudez e a vulnerabilidade que o indivíduo vivencia sem sua vida sexual.
Escrevem que tal paradigma teria três dimensões pelo menos:
– Uma dimensão do cuidado para “proteger o que é frágil”. Os teólogos
afirmam que o casamento “poderia então ser compreendido como uma
instituição que projete esta fragilidade, não como uma instituição de
obrigação”.
– Uma dimensão emancipatória que “abra perspectivas novas quando a
vulnerabilidade se tornou violação” (...) “Como uma ética emancipatória,
a ética cristã sexual precisa ficar do lado daquele que perde no
relacionamento, precisa estar ao lado daquele que é deixado e que sente a
dor no ponto mais profundo de seu coração”.
– E uma dimensão reflexiva que “aceite a vulnerabilidade e contrarie a
banalização e rotinização da sexualidade” (…) Como uma ética reflexiva
da vulnerabilidade, a ética sexual cristã sabe do valor ontológico da
vulnerabilidade”, afirmam. “A alegria da intimidade pode ser vivenciada
apenas quando ela é passível de ser vulnerável sem estar sendo violada”.
Entre os teólogos que assinam o manifesto estão Antonio Autiero, professor emérito na Universidade de Munster; Karl-Wilhelm Merks, professor emérito na Universidade de Tilburgo; e Eberhard Schockenhoff, professor na Universidade de Friburgo, na Alemanha.
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A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-01-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Fonte: IHU online, 15/01/2014
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