sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

“Está na hora de mudar de livro”

 ESTHER PILLAR GROSSI*
 
Mesmo na dúvida se estou queimando etapas, pois o senso comum está tão longe disso, arrisco-me a tentar dialogar sobre um tema central em educação escolar a verdadeira razão por que ela vai tão mal. Entendendo-se como educação escolar um espaço de construção de conhecimentos. Então, por que as aprendizagens são tão poucas? Esta é uma constatação generalizada em todas as avaliações nacionais e internacionais. Não se trata de olhar a comparação entre os resultados de diversos países, de Estados, de municípios ou de escolas. Mas se trata, sim, do quão pouco os avaliados estão aprendendo, porque, mesmo os primeiros colocados realizam a máxima de que, em terra de cego, quem tem um olho é rei. Os resultados de seus alunos passam pouco dos 50% de acertos nas provas. Quando se fazia a correlação, absolutamente legítima na ciência da avaliação dos conhecimentos, entre desempenho dos alunos e a densidade dos números reais, 50% dava para passar arranhando, isto é, sabendo o mínimo dos mínimos que era esperado por qualquer ensino que se preze. Já em 1977, o Saeb mostrou que apenas 3 sobre 1.000 (três sobre mil) alunos de sétimas séries aprendiam 75% do esperado em matemática e ciências. Para melhorar esses índices, há que se atentar para uma essencialidade o que se está fazendo para ensinar.

Esta essencialidade é que ensinar não é o que se vem tentando fazer desde o início dos tempos da existência da escola – transmitir conhecimentos pela via da explicação ou de leituras. Só compreende uma explicação ou um texto quem já percorreu um longo processo de elaboração e a explicação ou a leitura vêm para explicitar ideias já presentes na mente do estudante. Isto, portanto, é válido para alguns alunos de famílias intelectualizadas que têm a chance em conversas nas quais recebem respostas a perguntas que, no dia a dia, ou, melhor ainda, em viagens, lhes são suscitadas, e que dispõem de jornais, de revistas, de livros, de filmes, de discos, de muitos contatos na internet etc.

A massa do alunado brasileiro não tem um ambiente rico de possibilidades de construção de saberes em suas próprias vivências. Ela precisa que a escola lhe propicie percorrer o seu processo de aprendizagem desde o seu começo. Calcule-se quantos filhos têm os 50 milhões de analfabetos adultos que são alunos pelo Brasil afora.

É por isso que a frase do queridíssimo Caio Fernando Abreu é tão adequada, neste momento, para a nossa circunstância educacional: “Cansei de virar as páginas. Está na hora de mudar de livro.”

Cansemos de virar as páginas, atribuindo a variáveis que apenas intervêm nas causas do fracasso escolar, como baixos salários, más gestões, indisciplina, poucas horas diárias de aula, falta de computadores, conteúdos de ensino sem interesse para os alunos etc.

O “mudar de livro” que é necessário em educação vai fundo nas raízes pedagógicas – requer alteração de bases teóricas, o que por sua vez demanda muita pesquisa que não está sendo feita nos meios acadêmicos e muita revolução na formação inicial e continuada dos professores.
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*Professora, coordenadora de pesquisas do Geempa
Fonte: ZH online, 10/01/2014
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