quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

ENFRENTAR 2014

João Batista Libânio*


Enfrentar 2014 (Foto: Reprodução)
 
duas experiências antagônicas. O novo ora atemoriza, ora seduz. Atemoriza, porque não se sabe o que virá. “É melhor um pássaro na mão do que dois voando”. 2013 está nas nossas mãos. Já o conhecemos, já o sofremos. 2014 são pássaros voando. Para onde, como, com que perigos?

Por sua vez, a novidade seduz. Talvez alguém se recorde ainda do tristemente célebre “Bateau mouche”. Lá os turistas compraram um bilhete sem saber o que iam fazer. A pura surpresa. Para muitos foi a morte.

Não há adivinho, nem pitonisa, nem búzios, nem cartomante ou quiromante capazes de ler o que nos vai acontecer no próximo ano. Os prognósticos estatísticos cobrem maiorias, mas dentro delas cada um de nós é uma peça imprevisível. Os horizontes gerais são sombrios. Nuvens escuras cobrem os céus da economia. Anunciam-se o marasmo da recessão, estagnações de crescimento, atrofias de vida. Saúde, educação, previdência social, aposentadorias, empregos estão na mira negativa do novo ano.

Mas nem todas essas realidades juntas compõem a totalidade de nossa existência. Outros fatores imprevistos e imprevisíveis entrarão em jogo fazendo pender o braço da balança para a dor: doenças, mortes, acidentes. Ou, pelo contrário, o pêndulo pode inclinar-se para o lado da alegria e felicidade: experiências religiosas e afetivas gratificantes, novas amizades, cenas inesquecíveis de beleza, bondade e ternura, que se desenharão na gratuidade imerecida de nossa vida.

Jesus, sabendo dessas nossas terríveis preocupações com o futuro, conhecendo nossa insaciável curiosidade, já nos alertou com um toque de singeleza e poesia. “Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as alimenta...Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em todo o seu esplendor, se vestiu como um deles”. E, prosseguindo sua reflexão, Jesus deixa-nos um conselho para enfrentar as ansiedades diante do novo ano que desponta: “Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançada ao forno, não fará ele muito mais por vós, homens fracos na fé? (Mt 6, 26.28-30).

A fé nos oferece duas certezas que nos iluminam qualquer que seja o desenrolar do novo ano. De um lado, sabemos que Deus não brinca de intervir na história deslocando os acontecimentos, mas entregou-os à nossa responsabilidade. Portanto, muito de 2014 será o que fizermos dele. Nossas liberdade, consciência e responsabilidade pessoais e cívicas construirão, da nossa parte, a história e a sociedade. Doutro lado, sabemos que somos um fator muito pequeno, diria mínimo, no emaranhado das causas cósmicas e humanas que constituem o enredo da realidade. E sentimo-nos impotentes diante da maioria dos acontecimentos. Aí a fé nos diz outra palavra. “E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos!”, promete-nos Jesus (Mt 28, 20). A presença do Senhor não significa modificação no curso da história, mas uma nova percepção interior dos acontecimentos. Essa nos traz a paz porque nenhuma desgraça será a última palavra sobre nós, mas a do Deus da vida e salvação. Podemos entrar, portanto, confiantes e tranqüilos nas ondas do ano novo certos de que o timoneiro de nosso barco é o Senhor. E se as vagas agitarem demais nossa nau, recordemo-nos da cena do lago de Tiberíades e ouçamos dentro de nós a frase de Jesus:  “Tende confiança. Sou eu. Não tenhais medo! (Mc 6,50).

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
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