Somos
uma sociedade de pessoas que se esforçam para ser simpáticas, mas não
empáticas.
O povo brasileiro
é cordial, sempre escutei isso desde que me conheço por gente. A
maioria dos estrangeiros nos veem como simpáticos, acolhedores, alegres,
festeiros, a exemplo do que pudemos constatar na Copa do Mundo.Mas esta
cordialidade não revela, de fato, a verdade, a intenção e o pensamento
por de trás da imagem transmitida. Cordialidade que serve, muitas vezes,
de fachada, assim como afirma o sociólogo Antônio Cândido: “O homem
cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos
comportamentos de aparência afetiva.
Sergio Buarque de Holanda, um dos grandes historiadores deste país, nos revela o mito do homem cordial, descrito em Raízes do Brasil, livro
de 1936. Cordial vem de coração, referente ou próprio do coração.
Implica dizer que o brasileiro é um povo generoso de coração, a ideia
recorrente e desgastada de que possuímos o “coração de mãe”, sempre cabe
mais um. Amamos de coração, o que dá intencionalidade e intensidade,
mas igualmente, odiamos de coração. Somos cordiais também quando
odiamos.
Mas reconhecer que odiamos é difícil, porque não
aceitamos este sentimento, ou melhor, reconhecemos o ódio, mas não em
nós. Falar de ódio é mais cômodo quando atribuído ao outro. O professor e
historiador Leandro Karnal define bem este pensamento quando diz que
algumas pessoas parecem ilhas de pureza e inocência” cercadas de ódio
por todos os lados. Karnal fala do pacifismo do brasileiro, o que seria
constituinte da nossa civilidade, ou a ideia que fazemos dela.
Este
conceito de civilidade é efêmero, pois cria um cenário fantasioso de
que nossas famílias, nossa cidade, é onde reside a civilidade e que a
barbárie está fora dela. Uma falácia. Vivemos este mito do homem cordial
e não nos damos conta que originamos, cultivamos e perpetuamos este
ódio.
O Brasil é um país que se revela cada vez mais reacionário
através de seu povo e dá inúmeros exemplos para sustentar esta triste
realidade. As eleições de 2014 é o exemplo mais recente. As pessoas
discutem e manifestam suas opiniões partidárias, se esforçando com
inúmeros argumentos. Formulam teorias, desde as mais simplórias,
denunciando falta de conhecimento sobre aquilo que defendem, até teorias
conspiratórias, embasadas no medo e, possivelmente, na mesma falta de
conhecimento. Muitos são ponderados, demonstrando preocupação com o rumo
do país e fomentando boas e saudáveis discussões.
Infelizmente, o
que tem acontecido nas redes sociais é uma verdadeira segregação e a
manifestação explícita do ódio. Um binarismo entre bem e mal, pobres e
ricos, Norte e Nordeste contra Sudeste e Sul. Visões deturpadas e
violentas do outro que não deve ser entendido como rival ou inimigo, mas
cuja opinião deve ser preservada e respeitada. Ter uma posição
diferente da sua não deveria ser ameaçador. Se for, talvez o problema
esteja em você, afinal a diferença é agregadora e não segregadora, e são
as suas limitações que não permitem sustentar esta diferença.
Somos
uma sociedade de pessoas que se esforçam para ser simpáticas, mas não
empáticas. Retórica enfatizada por Karnal. O amor e ódio, que andam lado
a lado, são a representação clara da dualidade emocional e que sustenta
nossa contradição. Escutamos a opinião do outro, mas às costas dele
criticamos e detestamos o que acabamos de escutar. Uma raiva que surge
pela discórdia que cresce até virar ódio. Mas que está sempre nele e não
em mim. Freud explica. É a morte na própria vaidade e no narcisismo
descontrolado.
A intolerância à diferença é traduzida na
necessidade doentia de tornar o outro igual, desqualificando suas
opiniões e diminuindo-o como ser humano. Expressar a própria opinião e
ter um posicionamento distinto é recriminado como algo errado. Eu não
posso ser eu, tenho que ser o outro, senão sou retalhado. Entretanto, é a
diferença do outro que cria reflexo em nós e favorece o
autoconhecimento.
Depois da reeleição da presidente Dilma
Rousseff, as redes sociais foram bombardeadas com insultos, comentários
racistas e xenófobos contra os nordestinos. Uma confusão entre
preconceito e ressentimento social com liberdade de expressão. Mas o
ódio é tão contundente que leva as pessoas, facilmente, a mostrar o que
elas possuem de pior.
A necessidade de se encontrar os “bodes
expiatórios”, termo da bíblia judaica, explica que no dia da expiação,
dia do perdão, o bode era um animal levado aos templos para que a ele
todas as mazelas e pecados da sociedade fossem atribuídos antes do
sacrifício. Reproduzimos, inconsciente e conscientemente, este movimento
de encontrar “bodes expiatórios” para depositar nossas angústias.
O
ódio cria unidade e agrupa as pessoas, pois é difícil amar, embora nos
esforcemos, mas odiar é prazeroso, mesmo que sádico. Somos diferentes,
mas, se temos a quem odiar, nos tornamos irmãos, como bem evidencia o
historiador Leandro Karnal. A derrota do outro é mais saborosa do que a
minha vitória, dialética reproduzida com maestria nas relações
interpessoais. Fazer o bem e amar é me enfraquecer diante do outro.
Requer sacrifício, gratidão e retribuição. Logo, me sentir humilhado por
isso. É insuportável a sensação de sentir-se diminuído diante do outro.
Já o ódio não, ele dá motivos para me vingar, me torna poderoso e mais
forte do que o outro, talvez por isso, aconselhado a comer cru, para
melhor degustação.
François de La Rochefoucauld, aristocrata e
moralista francês, nos brinda com uma frase: “Nada é tão contagioso como
o exemplo”. De fato, muitos que expressam seu ódio nas redes sociais se
fortalecem à medida que ganham seguidores. Querem ser exemplos e
enaltecidos como tal, na eloquência de pensamentos enfadonhos e na
efervescência de seu desequilíbrio emocional, contagiando seus cúmplices
com o pior que eles têm a oferecer. Talvez, de fato, não exista amor no
Brasil.
------------------------
* Breno Rosostolato é professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina.Fonte: Jornal do Brasil 04/11/2014
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário