Rogério Tuma*
Não só os casais inférteis passam a sonhar com um bebê customizado. Não há um problema ético nisso?
Ter um filho parecido com os pais está ficando
fora de moda. Agora a procura no banco de ovos para fertilização é por
um ovo de doadores belos, inteligentes e saudáveis, mesmo que a
fisionomia seja completamente diferente da dos pais que vão gerar o
bebê.
Ao ser abordado por uma linda mulher que
dizia: “Professor, vamos ter um filho, se ele tiver a minha beleza e a
sua inteligência, poderá até dominar o mundo!”, Albert Einstein
respondeu que jamais faria isso, pois não iria correr o risco de ter um
filho com a feiura dele e a burrice da pretensa mãe. Hoje, as mulheres
solteiras e os casais podem reduzir o risco de isso acontecer
selecionando doadores do óvulo e do espermatozoide. A vasta maioria dos
estudos comportamentais indica que, ao definir um parceiro ideal, as
mulheres tendem instintivamente a selecionar um homem que tenha alguma
semelhança com o progenitor delas, seja pela aparência, seja pelo modo
de agir. Na hora da seleção do ovo – o óvulo fecundado pelo
espermatozoide –, a escolha é muito diferente.
É de se imaginar que um casal que queira ter um filho nascido de fertilização in vitro
escolha um ovo de pares com semelhança física ao casal, certo? Errado!
Nos dias atuais, a escolha se faz não pela aparência física, mas por
qualidades culturalmente importantes. Nesta ordem: inteligência, a saúde
e, só então, beleza.
Estudos feitos no fim dos anos 90 mostravam que a maioria
dos casais escolhia ovos com características físicas semelhantes às
suas, porém o estudo publicado na revista Women’s Health de outubro, coordenado por Homero Torres, indicou uma gradual mudança na preferência dos casais.
Atualmente, ser saudável é a qualidade
mais importante para o doador. Em 2008, essa característica era
importante para 50% dos casais e, em 2012, 72% dos pais escolheram ovos
de doadores com saúde exemplar. A demanda pelo quesito inteligência
subiu de 18%, em 2008, para 55%, em 2012, e habilidade atlética subiu de
1% para 18%. O único quesito cuja demanda caiu foi ter uma aparência ou
um pool genético similar ao de quem recebe o ovo. Em 2009, essa
era a solicitação de 40% dos casais, enquanto, em 2012, apenas 25% deles
faziam questão de ter filhos fisicamente semelhantes.
Em 1984, quando
nasceu o primeiro bebê com essa técnica, a semelhança com os pais
gestantes era prioritária. Naquela época, os casais inférteis poderiam
ainda sofrer algum estigma por terem filhos fisicamente diferentes e
existia maior resistência dos pais a declarar aos filhos a forma como
foram gerados. A educação pública sobre o tema, e a importância que a
genética ganhou com o conhecimento do nosso genoma, fez com que a
opinião das pessoas mudasse sobre o assunto. Em 2009, apenas 21% dos
casais manifestaram vontade de contar aos filhos que foram gerados por
um ovo doado, enquanto, em 2012, 47% já haviam decidido contar aos
filhos, ao passo que apenas 17% não contariam e 28% não haviam decidido
ainda, na ocasião do implante do ovo no útero materno.
Escolher dá à mãe um certo controle e poder que pode
melhorar a autoestima dos casais inférteis. Porém, quando a maioria não
faz questão de ter um filho parecido, mas melhor, com características
que poderão ajudá-lo a ter mais sucesso na empreitada da vida, não deixa
de ser uma forma não natural de se aprimorar a raça, o que esquenta o
debate sobre se a escolha é ética ou não.
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* Médico neurologista
Fonte: Carta Capital online, 22/11/2014
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