domingo, 9 de novembro de 2014

Como ser um pai ou uma mãe feliz

 Natalie Andrewson/ NYT
 Tudo não passa de uma fase. Crianças insuportáveis aos 4 anos de idade se tornam mais toleráveis aos 8 anos

O problema da hiperpaternidade não está no mal que isso causa às crianças, e sim no mal que isso faz aos pais

PARIS - Passei recentemente a tarde na companhia de alguns noruegueses que estão fazendo um documentário a respeito do estilo francês de criar os filhos. Por que pessoas de um dos países mais desenvolvidos do mundo se importariam com a maneira de educar os filhos em outros lugares?

Na Noruega "temos pestinhas, pequenos ditadores, e muitos de nós sofremos de hiperpaternidade. Estamos mimando todos eles", explicou o produtor, pai de três. Os franceses "exigem mais de seus filhos, e isso pode ser uma inspiração para nós".

Eu achava que apenas britânicos e americanos se comportassem como pais-helicóptero. Na verdade, essa é agora uma tendência mundial. A classe média no Brasil, Chile, Alemanha, Polônia, Israel, Rússia e outros países adotou versões desse comportamento. A mãe afogada em culpa e disposta a qualquer sacrifício - temendo estar fazendo demais ou não estar fazendo o bastante - se tornou um ícone global. Em Parenting with style, um estudo do Bureau Nacional de Pesquisa Econômica, os economistas Matthias Doepke e Fabrizio Zilibotti dizem que a intensidade desproporcional depositada na paternidade emana do aumento na desigualdade, porque os pais sabem que há recompensas maiores para aqueles que recebem muito ensino e aprendem numerosas habilidades. (A França é um dos raros países ricos onde a paternidade-helicóptero não é regra.)

A hiperpaternidade também é impulsionada pela ciência. Os mais recentes estudos neurológicos envolvendo bebês também chegam aos pais em Bogotá e Berlim. E, em todo o mundo, observa-se que as pessoas estão optando por ter filhos mais tarde, depois de se tornarem mais ricas e mais gratas, de modo que toda a experiência da paternidade se torna sagrada. Os escandinavos se queixam da "paternidade curling", referência ao esporte no qual é preciso esfregar o gelo freneticamente para permitir que uma pedra o atravesse. (Na Noruega, "não contamos os gols no placar dos jogos de futebol das crianças com menos de 12 anos, pois todos devem se sentir como vencedores", disse o produtor.)

A paternidade no século 21 não é inteiramente ilógica. Em vez de buscarmos erradicá-la, proponho uma estratégia de contenção: limitar seus excessos, e impedir que a coisa piore. Com base em minhas próprias pesquisas, uma leitura não-científica da literatura que trata da paternidade e uma amostragem de três crianças, eis algumas coisas que os pais modernos deveriam saber:

Os bebês não são selvagens. As crianças de colo entendem a linguagem muito antes de aprenderem a falar. Isso significa que podemos ensinar a eles a não bater na nossa cara com as cenouras durante o jantar, tornando nossa vida mais calma (e mantendo o chão mais limpo). "Se tiver expectativas elevadas em relação às crianças, elas vão surpreender positivamente. Se esperar pouco delas, as crianças surpreenderão negativamente", escreve Emma Jenner no livro Keep Calm and Parent On.

Aproveite com alegria as oportunidades de liberdade, sem culpa. Lembre-se que o problema da hiperpaternidade não está no mal que isso causa às crianças, e sim no mal que isso faz aos pais. Entre meados dos anos 1990 e 2008, as mães americanas com ensino superior completo começaram a dedicar mais do que 9 horas semanais aos cuidados com os filhos; isso saiu diretamente do seu tempo livre. A maior sacada da filosofia a vir da França desde "Penso, logo existo" é a ideia segundo a qual, nas festas infantis, devemos deixar as crianças e buscá-las depois. Os outros pais ganham três horas para brincar.

Não pense apenas em ser bom pai ou boa mãe para o futuro; faça isso para esta noite. Dificilmente seu filho vai entrar numa universidade de elite ou ganhar uma bolsa de estudos graças às suas habilidades esportivas. Aos 24 anos, ele pode estar de volta ao antigo quarto na casa dos pais, endividado, depois de uma carreira medíocre na faculdade. É importante educar os filhos para entender que, se isso ocorrer, mesmo assim terá valido a pena. Um pai holandês com três filhos me contou a respeito de sua abordagem inspirada no budismo: compromisso total com o processo, indiferença de expectativa em relação ao resultado.

Tente a cura do sono. A maioria das crises dos pais é causada pelo cansaço. Obrigue a si mesmo a seguir o mesmo ritual dos filhos na hora de dormir: banho, história, cama. Quando sentir a aproximação de um momento adulto de histeria, de a si mesmo o direito de fazer uma pausa.

Tenha menos coisas. A bagunça só aumenta o caos da vida em família.

Não se preocupe em exagerar na programação semanal dos filhos. As crianças que participam de atividades extracurriculares têm notas e autoestima superior à daquelas que não o fazem, entre muitos outros benefícios, de acordo com um resumo de 2006 do Relatório de Política Social da Sociedade para a Pesquisa do Desenvolvimento da Criança. "Mais preocupante é o fato de muitos não participarem de nenhuma atividade", dizia o texto.

Não critique a si mesmo por não conseguir criar o equilíbrio perfeito entre vida pessoal e trabalho. Os franceses têm licença maternidade paga, babás subsidiadas, excelentes creches do governo e pré-escola universal gratuita, e ainda assim se queixam do governo por não ajudar mais os pais. Os americanos não têm nada disso e, mesmo assim, culpamos a nós mesmos.

Ensine os filhos a desenvolver a inteligência emocional. Ajude-os a serem mais evoluídos do que nós. Explique, por exemplo, que nem todos vão gostar deles. "Quando uma menina conhece uma pessoa nova, ela muitas vezes se esforça para ser agradável, antes mesmo de ter decidido se gosta ou não da nova pessoa" escreve Rachel Simmons em seu livro The Curse of the Good Girl. "Ensine sua filha a inverter a ordem: avalie se gosta da pessoa antes de começar a se preocupar se ela gosta de você."

Transmita a regra de Nelson Mandela: podemos conseguir aquilo que queremos ao demonstrar respeito pelo outro. Quando Mandela ficou sabendo que um general africâner estava armando rebeldes para evitar as eleições multirraciais, ele convidou o general para tomar chá. Os jornalista John Carlin escreve que o general Constand Viljoen "ficou desarmado com o largo e terno sorriso de Mandela, sua cortesia e atenção aos detalhes" e sua sensibilidade aos temores dos sul-africanos brancos. O general abandonou a violência. Lembre seus filhos que essa técnica também funciona com os pais.

Tudo não passa de uma fase. Crianças insuportáveis aos 4 anos de idade se tornam mais toleráveis aos 8 anos.

Não adianta pensar naquilo que fazemos errado. Ninguém estraga os filhos da maneira que teme fazer: nós os estragamos de maneiras absolutamente originais nas quais nem tínhamos pensado. E não há dose de hiperpaternidade que possa mudar isso.

Tradução de Augusto Calil
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Fonte: Estaão online, 09/11/2014
Reportagem por  Pamela Druckerman - The New York Times

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