Tudo não passa de uma fase. Crianças insuportáveis aos 4 anos de idade se tornam mais toleráveis aos 8 anos
O problema da hiperpaternidade não está no mal que isso causa às crianças, e sim no mal que isso faz aos pais
PARIS - Passei recentemente a tarde na companhia de alguns
noruegueses que estão fazendo um documentário a respeito do estilo
francês de criar os filhos. Por que pessoas de um dos países mais
desenvolvidos do mundo se importariam com a maneira de educar os filhos
em outros lugares?
Na Noruega "temos pestinhas, pequenos ditadores, e muitos de
nós sofremos de hiperpaternidade. Estamos mimando todos eles", explicou o
produtor, pai de três. Os franceses "exigem mais de seus filhos, e isso
pode ser uma inspiração para nós".
Eu achava que apenas britânicos e americanos se comportassem
como pais-helicóptero. Na verdade, essa é agora uma tendência mundial. A
classe média no Brasil, Chile, Alemanha, Polônia, Israel, Rússia e
outros países adotou versões desse comportamento. A mãe afogada em culpa
e disposta a qualquer sacrifício - temendo estar fazendo demais ou não
estar fazendo o bastante - se tornou um ícone global. Em Parenting with style,
um estudo do Bureau Nacional de Pesquisa Econômica, os economistas
Matthias Doepke e Fabrizio Zilibotti dizem que a intensidade
desproporcional depositada na paternidade emana do aumento na
desigualdade, porque os pais sabem que há recompensas maiores para
aqueles que recebem muito ensino e aprendem numerosas habilidades. (A
França é um dos raros países ricos onde a paternidade-helicóptero não é
regra.)
A hiperpaternidade também é impulsionada pela ciência. Os mais
recentes estudos neurológicos envolvendo bebês também chegam aos pais
em Bogotá e Berlim. E, em todo o mundo, observa-se que as pessoas estão
optando por ter filhos mais tarde, depois de se tornarem mais ricas e
mais gratas, de modo que toda a experiência da paternidade se torna
sagrada. Os escandinavos se queixam da "paternidade curling",
referência ao esporte no qual é preciso esfregar o gelo freneticamente
para permitir que uma pedra o atravesse. (Na Noruega, "não contamos os
gols no placar dos jogos de futebol das crianças com menos de 12 anos,
pois todos devem se sentir como vencedores", disse o produtor.)
A paternidade no século 21 não é inteiramente ilógica. Em vez
de buscarmos erradicá-la, proponho uma estratégia de contenção: limitar
seus excessos, e impedir que a coisa piore. Com base em minhas próprias
pesquisas, uma leitura não-científica da literatura que trata da
paternidade e uma amostragem de três crianças, eis algumas coisas que os
pais modernos deveriam saber:
Os bebês não são selvagens. As crianças de
colo entendem a linguagem muito antes de aprenderem a falar. Isso
significa que podemos ensinar a eles a não bater na nossa cara com as
cenouras durante o jantar, tornando nossa vida mais calma (e mantendo o
chão mais limpo). "Se tiver expectativas elevadas em relação às
crianças, elas vão surpreender positivamente. Se esperar pouco delas, as
crianças surpreenderão negativamente", escreve Emma Jenner no livro Keep Calm and Parent On.
Aproveite com alegria as oportunidades de liberdade, sem culpa.
Lembre-se que o problema da hiperpaternidade não está no mal que isso
causa às crianças, e sim no mal que isso faz aos pais. Entre meados dos
anos 1990 e 2008, as mães americanas com ensino superior completo
começaram a dedicar mais do que 9 horas semanais aos cuidados com os
filhos; isso saiu diretamente do seu tempo livre. A maior sacada da
filosofia a vir da França desde "Penso, logo existo" é a ideia segundo a
qual, nas festas infantis, devemos deixar as crianças e buscá-las
depois. Os outros pais ganham três horas para brincar.
Não pense apenas em ser bom pai ou boa mãe para o futuro; faça isso para esta noite.
Dificilmente seu filho vai entrar numa universidade de elite ou ganhar
uma bolsa de estudos graças às suas habilidades esportivas. Aos 24 anos,
ele pode estar de volta ao antigo quarto na casa dos pais, endividado,
depois de uma carreira medíocre na faculdade. É importante educar os
filhos para entender que, se isso ocorrer, mesmo assim terá valido a
pena. Um pai holandês com três filhos me contou a respeito de sua
abordagem inspirada no budismo: compromisso total com o processo,
indiferença de expectativa em relação ao resultado.
Tente a cura do sono. A maioria das crises
dos pais é causada pelo cansaço. Obrigue a si mesmo a seguir o mesmo
ritual dos filhos na hora de dormir: banho, história, cama. Quando
sentir a aproximação de um momento adulto de histeria, de a si mesmo o
direito de fazer uma pausa.
Tenha menos coisas. A bagunça só aumenta o caos da vida em família.
Não se preocupe em exagerar na programação semanal dos filhos.
As crianças que participam de atividades extracurriculares têm notas e
autoestima superior à daquelas que não o fazem, entre muitos outros
benefícios, de acordo com um resumo de 2006 do Relatório de Política
Social da Sociedade para a Pesquisa do Desenvolvimento da Criança. "Mais
preocupante é o fato de muitos não participarem de nenhuma atividade",
dizia o texto.
Não critique a si mesmo por não conseguir criar o equilíbrio perfeito entre vida pessoal e trabalho.
Os franceses têm licença maternidade paga, babás subsidiadas,
excelentes creches do governo e pré-escola universal gratuita, e ainda
assim se queixam do governo por não ajudar mais os pais. Os americanos
não têm nada disso e, mesmo assim, culpamos a nós mesmos.
Ensine os filhos a desenvolver a inteligência emocional.
Ajude-os a serem mais evoluídos do que nós. Explique, por exemplo, que
nem todos vão gostar deles. "Quando uma menina conhece uma pessoa nova,
ela muitas vezes se esforça para ser agradável, antes mesmo de ter
decidido se gosta ou não da nova pessoa" escreve Rachel Simmons em seu
livro The Curse of the Good Girl. "Ensine sua filha a inverter a ordem: avalie se gosta da pessoa antes de começar a se preocupar se ela gosta de você."
Transmita a regra de Nelson Mandela: podemos
conseguir aquilo que queremos ao demonstrar respeito pelo outro. Quando
Mandela ficou sabendo que um general africâner estava armando rebeldes
para evitar as eleições multirraciais, ele convidou o general para tomar
chá. Os jornalista John Carlin escreve que o general Constand Viljoen
"ficou desarmado com o largo e terno sorriso de Mandela, sua cortesia e
atenção aos detalhes" e sua sensibilidade aos temores dos sul-africanos
brancos. O general abandonou a violência. Lembre seus filhos que essa
técnica também funciona com os pais.
Tudo não passa de uma fase. Crianças insuportáveis aos 4 anos de idade se tornam mais toleráveis aos 8 anos.
Não adianta pensar naquilo que fazemos errado.
Ninguém estraga os filhos da maneira que teme fazer: nós os estragamos
de maneiras absolutamente originais nas quais nem tínhamos pensado. E
não há dose de hiperpaternidade que possa mudar isso.
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Fonte: Estaão online, 09/11/2014
Reportagem por Pamela Druckerman - The New York Times
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