domingo, 9 de novembro de 2014

A mamã de Sigmund Freud

Manuel S. Fonsec*

Freud's mother
A mamã e o douradinho
Se tivesse nascido hoje era checo. Nasceu Sigismund Schlomo Freud, filho de Jacob Freud e da sua terceira mulher, Amalia. Quando ele nasceu, o pai tinha 41 anos, a mãe 21, numa linha "boi velho, capim novo", que talvez prenunciasse um dos fetichismos a que a criança, um dia, dedicaria o seu deliciado e insidioso olhar.

Mas vamos a factos. O pai era um comerciante de lanifícios. Ou seja, um dos pares dos nossos industriais têxteis do Vale do Ave. Digo isto só para que se veja que as crises do têxtil já vêm de longe. O menino Freud nasceu em 1856. Vivia feliz nas livres montanhas de Freiberg, mas estalou uma crise nos lanifícios que atirou a família para os secos braços da pobreza, primeiro para a desolação de Leipzig e depois para Viena, onde viveram no ghetto judeu. De apartamento pobre em apartamento pobre, mudaram-se seis vezes em quinze anos.

Amalia, a mãe, ucraniana de origem (desconfio que é uma das poucas informações de que Putin não dispõe) teve uma exacta meia-dúzia filhos. Era uma força da natureza, era sentimental e era linda. Amava Sigismund, o seu primogénito, nele depositando as mais altas esperanças. Ele era o menino dessa mamã que lhe chamava "o meu dourado Sigi". Coração de mãe nunca se engana e o filho pagou-lhe com a mais alta moeda teórica, elegendo a figura materna como o primordial objecto de desejo de qualquer rapazinho. Um desejo que vai acompanhado da vontade de que um raio vindo do céu mate o pai.

Ouçam-no: "Quando se é o favorito da mamã, leva-se para a Vida um sentimento de vitória, que nos dá uma segurança de sucesso que, na verdade, raramente falha." E faça-se justiça a Freud, a única tentativa de matar o pai que se lhe conhece foi a de, aos oito anos de idade, ter ido, com líquida determinação, urinar em cima da cama paterna.

Bem vistas as coisas, se não fossem as cíclicas crises do têxtil, será que alguma vez teríamos tido o maravilhoso escândalo narrativo, um escândalo para-shakespeariano, que são os escritos de Sigi, o mais dourado dos meninos?
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* Escritor português. O meu maior medo é que a morte seja tudo às escuras sem se poder ler. Pouco interessa deixar de ser humano, desde que não deixe de ser leitor. Ler é do mais feliz que tenho. Até porque escrever é triste.
Fonte:  http://www.escreveretriste.com/2014/11/

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