Estive ontem na Faculdade de Economia e Administração da USP, a FEA,
para assistir a palestra do economista francês Thomas Piketty promovendo
seu livro “O Capital do Século XXI”.
O escritor comparou Karl Marx com Jesus Cristo ao responder uma
pergunta e explicou como seu livro não é sobre crescimento da
desigualdade de renda, mas sim sobre concentração de capital e como isso
atrapalha o crescimento econômico.
Embora os cursos de economia e administração sejam conhecidos por
terem alunos e professores mais conservadores ou de direita, a plateia
estava bem diversificada. Um dos presentes, sentado atrás de mim, estava
usando uma camiseta vermelha com o símbolo da foice e do martelo.
Piketty explicou que seu livro trata de concentração de renda e não
necessariamente do crescimento da desigualdade, sua consequência direta.
“E não tenho problemas com as pessoas discordarem das minhas conclusões
neste estudo, que inclui países latino-americanos. Em muitos casos, as
ciências sociais podem apontar para conclusões particulares e há nações
com casos muito peculiares, como é o próprio Brasil”, disse.
Tentou falar em inglês, embora seu sotaque de um francês carregado o tornasse complicado de entender.
O livro de Thomas Piketty é separado em quatro grandes partes, com
seus temas: “1. Renda e Capital”, “2. A dinâmica da relação capital e
renda”, “3. A estrutura da desigualdade”, “4. Regulando o capital no
século XXI”.
A apresentação abordou mais a segunda e a terceira partes, que
chamaram atenção tanto da mídia liberal quanto dos seguidores do
marxismo econômico. Piketty avisou que os gráficos estão presentes na internet.
“No período pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Japão
passaram por uma redução de desigualdade social entre 1930 e 1940.
Entretanto, esse índice voltou a subir e o mundo está acompanhando esse
fluxo de concentração, em maior ou menor escala”, mostrou Piketty
através de tabelas. “Isso é um fenômeno cíclico. Se você melhora a
distribuição do capital, isso diminui a desigualdade. Assumimos que isso
é uma constante, mas por enquanto ninguém tem motivos para pensar de
maneira diferente”.
“A Europa passou por uma situação diferente. A guerra provocou uma
falta de investimentos na iniciativa privada, causando um impacto no
pensamento europeu. Desta forma, geração de riqueza e fortalecimento do
PIB através de ações estatais foram importantes para o desenvolvimento
de um Estado de Bem-Estar Social. Todo mundo passou a ter acesso a
moradia e estrutura financeira no Reino Unido, na França e na Alemanha,
criando uma distribuição mais igualitária do capital”, pontuou,
comprando ao caso dos EUA, em que a economia é baseada na concorrência
supostamente meritocrática.
Thomas Piketty fez várias críticas sobre a situação econômica do Brasil.
“Há poucas informações fiscais realmente confiáveis na econômica
brasileira. Isso é um problema para saber a real situação da
distribuição de riqueza. O Brasil precisa de mais transparência para
produzir informações que identifiquem quais grupos estão se beneficiando
do crescimento nacional”, disse.
Curiosamente, Piketty está utilizando hoje tanto os dados do PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do IBGE, que apontou uma
redução de 50% para 45% da riqueza concentrada entre os brasileiros mais
ricos entre 2007 e 2012, quanto dados da UnB dos pesquisadores Fabio
Avila Castro, Marcelo Medeiros e Pedro H. G. F. Souzas, todos do Ipea.
Na segunda pesquisa, a riqueza dos 5% dos mais ricos no Brasil
cresceu de 40% para 44% entre 2006 e 2012, de acordo com suas
declarações de Imposto de Renda. Esse último levantamento foi divulgado
em agosto deste ano e é inspirado nas pesquisas do próprio Thomas
Piketty.
“Esse aumento da desigualdade social decorrente da concentração de
renda deve mudar a forma como lidamos com demanda em tempos de
globalização. As melhores universidades americanas, por exemplo, mantêm
seus quadros, mas a situação de quem não tem acesso a uma educação de
qualidade é preocupante”, criticou o economista. “O acesso à educação é
um dos métodos para reduzir a economia desigual e ter um desenvolvimento
mais saudável da riqueza”.
Após a palestra, foram chamados os economistas Paulo Guedes,
colunista da revista Época e do jornal O Globo, fundador Instituto
Millenium e do Banco Pactual, além de André Lara Rezende, ex-presidente
do BNDES na gestão de Fernando Henrique Cardoso.
Rezende questionou se não existe mais mobilidade econômica e social
com as mudanças nos rankings de bilionários de revistas como a Forbes,
considerando que há até brasileiros enriquecendo e ganhando destaque.
Piketty elegantemente discordou: “Uma mobilização similar existia no
final século 19, quando surgiu uma empresa francesa de destaque como a
L’Óreal e ainda existiam grandes oligopólios familiares”.
Paulo Guedes elogiou o livro, que critica até Karl Marx na questão do
acúmulo infinito de capital. “Normalmente tratam Marx como Jesus
Cristo, por isso sua obra é muito feliz na análise”, afirmou o
economista brasileiro formado pela Universidade de Chicago. No entanto,
ele questionou o foco da crítica apenas na concentração de renda e
duvidou que um aumento de impostos para os mais ricos ajudaria a mudar a
situação, considerando um quadro inflacionário alto e uma depreciação
monetária na globalização.
“Marx é possivelmente mais importante que Jesus”, brincou Piketty. Em
seguida, fez uma crítica direta ao raciocínio de Guedes: “Certamente é
mais fácil imprimir dólares, mas é muito mais difícil e necessário
redefinir os impostos. Eu prefiro taxas progressivas de impostos para
controlar a riqueza. Muitos impostos como no Brasil não resolvem, e nem
zerar as taxas deixando que o mercado se regule”.
“Comecei a abordar a questão da concentração de renda e a necessidade
de mais igualdade a partir de Declaração dos Direitos Humanos e do
Cidadão da Revolução Francesa de 1789. A desigualdade não é um problema
em si, mas passa a prejudicar o crescimento econômico quando beneficia
apenas alguns grupos ao invés do bem social”, frisou o francês.
Afirmou que sua análise passa longe de teses apocalípticas sobre a
economia, mas aponta para problemas que podem se acirrar com a má
distribuição de capital. “Este não é um livro pessimista, como alguns
podem pensar. Eu acredito na globalização e em como todos podem se
beneficiar dela. O problema é que falta transparência e a corrupção com
desigualdade tornaram-se um pesadelo para países pós-revoluções. O
Brasil tem esse problema, mas posso garantir que não é pior do que a
China”, explicou.
Paulo Guedes questionou Piketty sobre como o PT fez o Brasil crescer
nos últimos anos e agora levou a economia até um estágio de estagflação.
Indagou novamente se um imposto sobre os mais ricos resolveria o atual
problema. “Tive um debate interessante com Bill Gates sobre isso e ele
me disse que não quer pagar mais impostos. Sugeriu uma taxação sobre o
consumo”, respondeu.
“Eu entendo esse comentário, mas isso beneficiaria apenas ele, que
investe em filantropia e não é consumista, embora ainda seja um dos
maiores bilionários do mundo. Um pobre que consome muito ainda seria
prejudicado por essa medida. Por isso, eu acredito muito mais em taxas
proporcionais à renda, e não a outros parâmetros”.
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Reportagem por Pedro Zambarda de Araujo: Escritor, jornalista e blogueiro. Atualmente escreve sobre tecnologia e
games no site TechTudo. Teve passagem pelo site da revista EXAME.
Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, estuda filosofia na FFLCH-USP.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/marx-e-possivelmente-mais-importante-que-jesus-como-foi-a-palestra-de-piketty-em-sp/
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