José Luís Nunes Martins*
In “Amor, silêncios e tempestades”
Há uma distância fundamental entre as palavras e os gestos de
cada homem. As palavras prometem mundos, os gestos constroem -nos. As
palavras esclarecem pouco, os gestos definem quase tudo.
O amor é um projeto, uma construção que necessita de ser
realizada a cada dia. Sem grandes discursos. Qualquer hora é tempo de
amar. Se o amor é verdadeiro, não há tempos de descanso, porque o
silêncio no coração dos que buscam lutar contra as trevas dos egoísmos é
a paz mais profunda e o maior descanso... ainda que se cravem espinhos
na carne, ainda que não sarem as feridas antigas, ainda que a
esperança tenha pouco mais onde se apoiar do que nela própria.
Cada um de nós é aquilo que for capaz de ir construindo de firme e duradouro a cada dia por entre todas as tempestades da vida.
Há muito quem sonhe e passe o tempo a desejar o que não é...
Esperam e desesperam por algo que lhes há de chegar de fora...
rejeitando quase tudo quanto são, quando, na verdade, é com o que temos
e somos que devemos ser felizes, por pouco e por pior que seja... somos
nós. Mas nós não somos quem somos só para nós mesmos. Eu sou quem sou,
mas só o serei se for capaz de me encontrar com os outros. Ser humano é
ser relacional. Ser é sempre ser com o outro. Ninguém se vê só a si
quando se olha por um espelho. Ser é amar. Dar -se... sem grandes
sonhos ou promessas, com pequenos gestos, na heroica coragem de
acreditar que não são nem as palavras nem os desejos que nos devolvem
ao céu.
Encarcerados nunca seremos autênticos, devemos pois libertar-nos
de tudo quanto nos pesa, de forma especial das coisas materiais,
romper com as teias dos sonhos que nos inebriam e incapacitam de sair de
nós mesmos para o mundo, de criar mundo... sem esperar nada, a não ser
conseguirmos chegar ao melhor de nós mesmos...
Este desprendimento não será prudente aos olhos do mundo, mas é
essencial confiar e seguir adiante, até porque as coisas e as pessoas
são o que são, independentemente da forma como os olhos do mundo as
veem, sentem ou pensam...
Aos sonhos falta existirem de facto, realizarem -se, ou melhor,
serem realizados por alguém. A existência é um dos mais belos e
decisivos atributos para que algo se faça determinante da nossa
felicidade. Por isso a realidade mais pobre é, ainda assim, mais bela
que o sonho mais magnífico...
Quase todos os egoísmos têm nome de amor. Conscientes do que
são, escondem -se. Normalmente juntam -se aos pares... fazem pouco,
falam muito, prometem tudo... entrelaçam as suas necessidades de ter
mais, de estar melhor, sem cuidarem que cada homem é muito mais do que
aquilo que tem ou da forma como está... nós, humanos, não somos deste
mundo... somos do lugar de onde chegámos quando nascemos e do lugar
para onde havemos de ir depois da morte... um mundo de onde este faz
parte, mas muito maior, muito melhor... muito mais profundo.
É pois importante procurar a vontade do outro, e encontrarmo-nos nela, sermos o melhor que ele pode receber e merecer...
Amar é arriscar tudo, sem garantia alguma. Apenas com a fé de
que, no amor, nos cumprimos... Amar é desprender -se e perder -se...
abrir -se e abandonar -se à vontade de ser feliz.
Só o amor permite que se cumpra a mais essencial de todas as promessas da existência: Uma vida com valor e verdade.
Quem ama não promete... dá.
Edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 17.11.2014
Publicado em 17.11.2014
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* José Luís Nunes Martins é colunista do jornal «i»
FONTE: http://www.snpcultura.org/16/11/2014
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