sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A face grotesca do capitalismo aéreo

Juremir Machado da Silva*

 

Eu, como todo mundo, já vi a face grotesca do capitalismo de muitas maneiras. A mais comum é aquela que se dá a ver nas zonas miseráveis das grandes cidades onde crianças passam fome. A lógica do capitalismo é uma só: tudo é e deve ser mercadoria.

Guy Dobord escreveu: o capitalismo não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas paixões.

O comunismo até hoje praticado nada mostrou de melhor.

O capitalismo pode, então, gozar do título de o menos pior dos mundos.

Ontem, eu vi a sua face grotesca por trás da aparência chique.

Num voo Paris – São Paulo, uma passageira com crise de hérnia de disco.

Única forma de suportar a dor: espichar-se o máximo possível.

Como, porém, se espichar numa poltrona de classe econômica?

Dois passos a frente, várias poltronas vazias da classe executiva.

Poltronas separadas apenas por uma cortina.

Depois da cortina de ferro, a cortininha de pano separando classes.

Não seria o caso de uma transferência de classe?

Impossível.

É pagar ou sofrer.

Além disso, no ar não se pode pagar.

O capitalismo aéreo é assim: a poltrona confortável viaja vazia. O passageiro doente viaja gemendo.

Seria o caso de deitar no corredor?

As regras de segurança não permitiriam.

Seria o caso de ter um travesseiro a mais para tentar uma acomodação melhor?

Só depois da decolagem, em caso de sobra.

Na chegada, depois da descida de todos, esperando uma cadeira de roda, um oferecimento gentil:
– Pode sentar na poltrona da executiva enquanto espera.

Sentar por 30 segundos.

O capitalismo  vende a alma, mas não empresta uma poltrona nas alturas.

No voo, na primeira classe, estava o francês Thomas Piketty, autor de O capital do século XXI, considerado por muitos como o Karl Marx do século XXI, descrito como o novo guru mundial. Pena que não viu mais esse episódio da luta de classes.

Classe executiva versus classe econômica.

No capitalismo hiperespetacular até a solidariedade é uma mercadoria.

Um passageiro comentava em voz alta o quanto achava grosseiro e caipira alguém ficar falando de suas viagens.

Insultava, por ignorância, todos os narradores da literatura de viagem e do jornalismo. Seria ressentimento?

A mediocridade humana não tem limites. Salvo o da mercantilização.

Mercantilização até das aposentadorias de deputados no Rio Grande do Sul.

Estou de volta. Aprendi a conhecer mais profundamente o capitalismo.

Chegando em casa, aprendo mais uma vez que a desfaçatez dos nossos políticos não tem limites.
É mais um capítulo da luta de classes.

A classe dos que fazem as leis contra a classe dos que se submetem a elas.

Nós.

Parabéns aos deputados gaúchos que não votaram pela “sucette” (tetinha ou tudo que se possa chupar sentido algum grau de gozo infantil ou adulto) da aposentadoria especial.
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* Sociólogo. Professor Universitário. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 26/11/2014
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