Juremir Machado da Silva*
Eu, como todo mundo, já vi a face grotesca do capitalismo de
muitas maneiras. A mais comum é aquela que se dá a ver nas zonas
miseráveis das grandes cidades onde crianças passam fome. A lógica do
capitalismo é uma só: tudo é e deve ser mercadoria.
Guy Dobord escreveu: o capitalismo não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas paixões.
O comunismo até hoje praticado nada mostrou de melhor.
O capitalismo pode, então, gozar do título de o menos pior dos mundos.
Ontem, eu vi a sua face grotesca por trás da aparência chique.
Num voo Paris – São Paulo, uma passageira com crise de hérnia de disco.
Única forma de suportar a dor: espichar-se o máximo possível.
Como, porém, se espichar numa poltrona de classe econômica?
Dois passos a frente, várias poltronas vazias da classe executiva.
Poltronas separadas apenas por uma cortina.
Depois da cortina de ferro, a cortininha de pano separando classes.
Não seria o caso de uma transferência de classe?
Impossível.
É pagar ou sofrer.
Além disso, no ar não se pode pagar.
O capitalismo aéreo é assim: a poltrona confortável viaja vazia. O passageiro doente viaja gemendo.
Seria o caso de deitar no corredor?
As regras de segurança não permitiriam.
Seria o caso de ter um travesseiro a mais para tentar uma acomodação melhor?
Só depois da decolagem, em caso de sobra.
Na chegada, depois da descida de todos, esperando uma cadeira de roda, um oferecimento gentil:
– Pode sentar na poltrona da executiva enquanto espera.
Sentar por 30 segundos.
O capitalismo vende a alma, mas não empresta uma poltrona nas alturas.
No voo, na primeira classe, estava o francês Thomas Piketty, autor de
O capital do século XXI, considerado por muitos como o Karl Marx do
século XXI, descrito como o novo guru mundial. Pena que não viu mais
esse episódio da luta de classes.
Classe executiva versus classe econômica.
No capitalismo hiperespetacular até a solidariedade é uma mercadoria.
Um passageiro comentava em voz alta o quanto achava grosseiro e caipira alguém ficar falando de suas viagens.
Insultava, por ignorância, todos os narradores da literatura de viagem e do jornalismo. Seria ressentimento?
A mediocridade humana não tem limites. Salvo o da mercantilização.
Mercantilização até das aposentadorias de deputados no Rio Grande do Sul.
Estou de volta. Aprendi a conhecer mais profundamente o capitalismo.
Chegando em casa, aprendo mais uma vez que a desfaçatez dos nossos políticos não tem limites.
É mais um capítulo da luta de classes.
A classe dos que fazem as leis contra a classe dos que se submetem a elas.
Nós.
Parabéns aos deputados gaúchos que não votaram pela “sucette”
(tetinha ou tudo que se possa chupar sentido algum grau de gozo infantil
ou adulto) da aposentadoria especial.
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* Sociólogo. Professor Universitário. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 26/11/2014
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