Antonio Prata*
Sou apenas um rapaz latino americano, um pobre diabo espremido entre o machismo e o feminismo
Se você é um ogro machista e homofóbico, você tem representantes no
congresso, na imprensa, tem vários amigos no clube. Se você é LGBT, você
tem representantes no congresso, na imprensa, tem vários clubes de
amigos(as). Agora, se você está no meio do caminho, se é apenas um homem
sensível lutando para ver respeitados certos direitos básicos de sua
pacata heterossexualidade, não tem político a quem pedir socorro e
periga não emplacar sequer reclamação na seção de cartas do jornal.
Que "direitos básicos" são esses? Ora, muitos, que viemos perdendo aos
poucos, da adolescência pra cá, conforme nos apaixonávamos por mulheres
inteligentes, elegantes e criteriosas, diante das quais, sensíveis que
somos, fomos fazendo concessões. Usar regata, por exemplo: não pode.
Calçar tênis de corrida, socialmente: nem pensar. Sair por aí, poxa
vida, de pochete: divórcio.
A menção à regata, ao tênis de corrida e à pochete pode dar a impressão
de que as reivindicações deste desassistido grupo pendem para a ogrice.
De que nosso sonho é deixarmos de ser homens sensíveis e irmos nos
transformando, paulatinamente, no Homer Simpson. Não é por aí. Alguns
dos nossos anseios têm a ver com o Homer: outros tem a ver com a Marge
--ou com a Lisa? Por exemplo: andar de patins. Pronto, falei. Eu sempre
quis andar de patins, mas nunca tive coragem de assumir esse desejo.
Vejo as pessoas deslizando pelas ciclofaixas como se tivessem asas nos
pés, posso sentir o vento batendo em meu rosto, soprando a brasa da
inveja e acendendo um pensamento: nossa, se eu fosse gay ou sueco, eu
comprava um patins hoje mesmo. Acontece que não sou. Sou apenas um rapaz
latino americano, um pobre diabo espremido entre o feminismo e o
machismo, o hífen solitário no meio do Fla-Flu, com medo de ir de
moletom e chinelo à padaria e pôr em risco o meu casamento, com medo de
saracotear sobre rodinhas e pôr em dúvida a minha masculinidade.
Fôssemos uns machistões, não haveria problema. Teríamos casado com
mulheres frágeis e tolas, que só nos diriam "amém, meu bem", e nossa
vida conjugal seria um eterno domingo de Rider e latão: "Mais salaminho,
pitucão?", "Sim, pituquim". Mas não, nos apaixonamos pelas bisnetas da
Simone de Beauvoir: aí, queridão, conseguir emplacar um Chapecoense x
Criciúma como programa pra noite de quarta fica difícil.
Fôssemos uns seres evoluídos, superiores às infantilidades latinas e
libertos das amarras do gênero, não ligaríamos para as opiniões dos
nossos pares: compraríamos os patins (reais e simbólicos) e sairíamos
por aí, todos pimpões. Mas não, nós queremos ser vistos como mui machos,
centroavantes, pegadores: aí, realmente, patins fica difícil.
Difícil, mas não impossível. A união é o primeiro passo. A divulgação
dos nossos anseios, iniciada aqui, é o segundo. O terceiro é elegermos
um representante. Ou, quem sabe, conquistar o apoio de um já eleito?
Será que o Jean Wyllys não se interessaria em defender a causa? Em ouvir
nossas reivindicações e incorporar HS, as iniciais de "homem sensível",
à sigla da diversidade sexual: LGBTHS? Prometemos ajudar na luta por um
mundo livre, onde cada um ame quem quiser, escolha o gênero em que se
sentir mais a vontade e possa até, um dia --por que não?--, sair por aí
de pochete.
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* Escritor e roteirista.
Fonte: Folha online, 30/11/2014
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