A pergunta é antiga: o dinheiro pode
comprar a felicidade?
Ao longo dos últimos anos, novas pesquisas têm nos dado uma
compreensão mais profunda da relação entre o que ganhamos e como nos
sentimos. Os economistas têm examinado as relações entre renda e felicidade nos países, e os psicólogos têm sondado as pessoas para descobrir o que realmente nos move quando se trata de dinheiro.
A reportagem é de Andrew Blackman, publicada pelo jornal The Wall Street Journal e reproduzida pelo jornal Valor,17-11-2014.
Os resultados, à primeira vista, podem parecer um pouco óbvios: Sim,
as pessoas com renda mais alta são, em geral, mais felizes do que
aquelas que lutam para sobreviver.
Mas analisando um pouco mais profundamente os resultados, eles se
tornam bem mais surpreendentes - e muito mais úteis. Em suma, esta
última pesquisa sugere que a riqueza por si só não fornece qualquer
garantia de uma boa vida. O que importa muito mais que ter uma alta
renda é a forma como as pessoas gastam. Doar dinheiro, por exemplo, deixa as pessoas muito mais felizes
do que quando gastam com si próprias. E quando elas gastam com elas
mesmas, ficam bem mais felizes quando usam o dinheiro para experiências
como viagens do que quando compram bens materiais.
Aqui está o que a mais recente pesquisa revela sobre como as pessoas
podem fazer uso inteligente de seu dinheiro e maximizar a sua
felicidade.
Experiências valem mais do que você pensa.
Numerosos estudos feitos ao longo dos últimos dez anos têm
demonstrado que as experiências de vida nos dão um prazer mais duradouro
do que as coisas materiais. No entanto, as pessoas muitas vezes negam a
si mesmas essas experiências e priorizam a compra de bens materiais.
Ryan Howell, professor associado de
psicologia na Universidade Estadual de San Francisco, decidiu analisar
isso. Segundo estudo publicado no início do ano, ele descobriu que as
pessoas pensam que as compras materiais oferecem melhor benefício em
relação ao custo porque as experiências são passageiras e os bens
materiais duram mais. Assim, embora possam fazer uma extravagância
ocasional, como uma grande viagem de férias, quando estão num momento de
maior racionalidade com relação ao dinheiro, dão preferência aos bens materiais.
Mas, na verdade, Howell descobriu que quando as
pessoas voltavam a pensar sobre as compras que fizeram, percebiam que as
experiências foram mais valiosas para elas. "O que descobrimos é que há
uma expectativa enormemente equivocada", diz.
Thomas Gilovich, professor de
psicologia da Universidade Cornell, chegou a conclusões semelhantes. "As
pessoas muitas vezes fazem um cálculo racional: Tenho uma quantidade
limitada de dinheiro e posso viajar para tal lugar ou então comprar tal
coisa", diz. "Viajar seria ótimo, mas vai acabar num instante. Se eu
comprar essa coisa, pelo menos vou tê-la para sempre. Isso é verdade
factualmente, mas não psicologicamente. Nós nos adaptamos aos nossos
bens materiais."
É esse processo de "adaptação hedonista" que torna tão difícil comprar a felicidade por meio de aquisições materiais. As experiências em geral atendem mais às nossas necessidades psicológicas subjacentes, diz Gilovich.
Muitas vezes elas são compartilhadas com outras pessoas, dando um
sentido maior de conexão, e formam uma parte maior do nosso senso de
identidade. E, o que é fundamental: em geral não comparamos nossas
experiências com as de outras pessoas tanto quanto fazemos com as coisas
materiais, diz ele.
Não se adapte ao que compra Um grande motivo pelo qual ter mais
coisas nem sempre nos torna felizes é que nós nos adaptamos a elas. "O
ser humano tem grande capacidade de se acostumar com mudanças na vida,
especialmente mudanças positivas", diz Sonja Lyubomirsky,
professora de psicologia na Universidade da Califórnia em Riverside.
"Se você tiver um aumento na renda, isso dará um estímulo, mas logo as
suas aspirações vão crescer também [...]. Tentar evitar ou desacelerar
isso é realmente um desafio." Uma abordagem que pode funcionar, diz ela,
é tentar conscientemente ter apreço e gratidão pelo que você tem.
Aumentar a variedade, as novidades ou as surpresas também pode ajudar
você a desfrutar mais do que tem. "Quando as coisas se tornam
imutáveis, é aí que você se adapta a elas", diz Lyubomirsky.
Tente compartilhar seus bens com outras pessoas e se abrir para novas experiências, diz ela.
Tente doar
O paradoxo do dinheiro é que, embora ganhar mais geralmente melhore nosso bem-estar, ficamos mais felizes quando doamos dinheiro do que quando o gastamos conosco.
Essa é a conclusão de uma série de estudos feitos por Elizabeth Dunn, professora associada de psicologia da Universidade da Colúmbia Britânica e uma das autoras do livro "Dinheiro Feliz - A Arte de Gastar com Inteligência", publicano no Brasil pela JSN Editora.
Ela começou distribuindo dinheiro para os estudantes no campus; para
alguns disse para gastá-lo com coisas para si mesmos e a outros para
gastá-lo com alguma outra pessoa. Os que gastaram com os outros ficaram
mais felizes.
Desde então, Dunn já repetiu a experiência em outros
países e a ampliou para examinar se as pessoas continuavam felizes
quando davam seu próprio dinheiro, não dinheiro que lhes foi entregue
por uma professora. Ela descobriu que em países tão diversos como
Canadá, África do Sul e Uganda, dar dinheiro consistentemente tornava as
pessoas mais felizes, mesmo quando elas mesmas eram relativamente
pobres.
O que faz aumentar a felicidade não é tanto o quanto de dinheiro que
você dá, segundo Dunn, mas o impacto que você percebe que a sua doação
exerceu.
Não deixe de comprar o tempo
Também é importante considerar como aquilo que você está comprando
vai afetar a forma como você gasta seu tempo. "Use o dinheiro para
comprar um tempo de melhor qualidade para você mesmo", diz Dunn.
"Não compre um carro um pouco mais sofisticado [...] compre uma casa
perto do trabalho, para que assim você possa usar o restinho da luz do
dia para jogar bola no parque com seus filhos."
O dinheiro só traz felicidade até certo ponto
Os que estudam o tema dividem a felicidade em dois componentes, e é
preciso que as duas partes estejam funcionando bem para que a pessoa
seja verdadeiramente feliz. A primeira medida da felicidade é
"avaliativa". Lyubomirsky a define como "a sensação de
que sua vida é boa - você está satisfeito com a sua vida, você está
progredindo em direção aos seus objetivos de vida". O outro componente é
o "afetivo" e se refere à frequência com que você experimenta emoções
positivas, como alegria, carinho e tranquilidade, em contraste com as
negativas, explica Lyubomirsky.
Daniel Kahneman e Angus Deaton, da
Universidade de Princeton, descobriram quando examinavam as medidas
afetivas que a felicidade não aumentava depois que a renda familiar
anual chegava a cerca de US$ 75 mil. (Eles constataram, porém, um
aumento consistente na satisfação geral com a vida.)
Em resumo, quando você não tem muito dinheiro, um pouquinho mais pode
fazer muita diferença, porque você tem necessidades mais essenciais
para satisfazer. Mas à medida que você acumula mais riqueza, vai ficando
mais difícil continuar "comprando" mais felicidade.
Não se afunde em dívidas
Por fim, os pesquisadores concordam que gastar mais do que se ganha é
um caminho para a infelicidade. Cuidar das suas necessidades básicas e
alcançar certo nível de segurança financeira é importante.
Gilovich diz que, embora sua pesquisa mostre que as
experiências de vida proporcionam mais felicidade do que os bens
materiais, as pessoas devem, é claro, comprar os bens essenciais em
primeiro lugar.
Alguns estudos já mostraram que as dívidas têm um
efeito negativo sobre a felicidade, enquanto a poupança e a segurança
financeira a elevam. Uma pesquisa em lares britânicos descobriu que os
mais endividados relataram menor felicidade, e uma pesquisa separada
sobre casais mostrou que os mais endividados também tinham mais
conflitos conjugais.
"A poupança é boa para a felicidade; a dívida é ruim para a
felicidade. Mas a dívida tem mais potencial negativo do que a poupança
tem potencial positivo", diz Dunn.
Assim, antes de sair e gastar todo o seu dinheiro naquela sonhada
viagem de férias, certifique-se de que você já garantiu suas
necessidades básicas, pagou suas dívidas e tem dinheiro suficiente para
se proteger dos piores problemas da vida.
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Fonte: IHU online, 19/11/2014
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