sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Só as mulheres

IVAN MARTINS*

 

Estar ao lado de uma mulher permite viver uma gama maior de sentimentos e expressá-los – como não se faz entre homens


Se não houvesse outra razão para gostar do convívio com as mulheres, haveria a maneira como elas são capazes de parar pela manhã diante do guarda-roupa escancarado e queixar-se amargamente de que não têm o que vestir. Usualmente nuas, com as mãos nas cadeiras, fazem um beicinho desolado. Várias vezes por semana.

Metrossexuais à parte, homens não têm esse encanto. Falta a eles sinceridade ou imaginação. Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, diz que economiza tempo e energia usando sempre a mesma cor de camiseta. Há um exemplo feminino equivalente? Desconheço. Mulheres tendem a ser ciosas da própria aparência. Esse é apenas um dos fatos que as distingue positivamente dos homens.

Às vezes, quando estou enternecido, tenho vontade de fazer a lista das coisas que tornam as mulheres adoráveis. A cena diante do guarda-roupa é uma delas. Outra, talvez minha favorita, é a capacidade de chorar fazendo sexo. Não qualquer sexo, em qualquer dia, mas o sexo apaixonado que só se faz de vez em quando, cheio de ternura, beijos e juras pornográficas de amor.

Em meio a essa festa dos sentidos, você olha cheio de lascívia nos olhos da sua fêmea e percebe que ela chora. Por sentir-se amada, provavelmente. Ou por alguma razão inconfessável e terrível. Não importa. Você se comove ainda mais, tem vontade de chorar, mas não chora. Por ser besta, por ter algo quebrado, por ser homem.

Outra coisa que me toca é a sinceridade das mulheres diante das próprias emoções. Quando jovem, a gente se perturba com a intensidade e a franqueza dos sentimentos delas. Está tudo à flor da pele, vem aos borbotões, assusta. Com os anos, a gente se acostuma. Começa a perceber que o repertório delas de medo, tristeza, alegria, raiva é mais rico do que os áridos clichês emocionais usados pelos homens. Estar ao lado de uma mulher permite não apenas usufruir de uma gama maior de sentimentos. 

Permite expressá-los de um jeito que não se faz no convívio entre homens.

Alguns dos melhores momentos da minha vida foram passados ao lado de mulheres contando algo de bom que lhes tinha acontecido. A alegria delas nessa hora é contagiante. Homens raramente são capazes de se despir da soberba e de exibir surpresa com a generosidade da vida. As mulheres, que não foram criadas como príncipes, expressam melhor alegria e gratidão diante do inesperado.

É inevitável, sendo homem, amar a forma delicada como as mulheres cuidam de si mesmas. A saúde, os planos, a agenda repleta de compromissos. Sem falar dos filhos, claro. Tenho mais de uma amiga cheia de responsabilidades que, vira e mexe, me surpreende com uma mensagem do outro lado do mundo. Elas procuram passagens baratas, acham tempo para viajar, organizam o pagamento de prestações. Ao mesmo tempo que fazem todo o resto que mal consigo fazer. Tenho certeza de que todas elas se tornarão velhinhas ativas e felizes, enquanto temo pelo futuro dos marmanjos improvisadores, como eu.

Sou igualmente fascinado pela autonomia dessas criaturas. Elas florescem na companhia de si mesmas. A solidão das mulheres me parece uma clareira iluminada, enquanto a dos homens é um poço escuro. Sempre tive a sensação de que a média das mulheres está mais confortável com si mesma que a média dos homens - e isso faz diferença na hora de estar sozinha ou de lidar com a adversidade. Os homens fogem das camas vazias e dos quartos de hospitais. As mulheres respiram e enfrentam. Há algo de estóico nelas que não se confunde com a caricatura das mulheres à beira de um ataque de nervos. Quando a barra pesa, frequentemente elas são mais serenas.

Isso não quer dizer que as mulheres sejam legais o tempo todo ou que permanecerão adoráveis para sempre. Elas vão embora, nos abandonam, deixam de nos amar, se tornam indiferentes, às vezes nos odeiam com uma energia única. Não importa. Em algum lugar da nossa memória, continuarão nuas, com as mãos na cadeira, sacudindo os cabelos molhados com enorme desalento, reclamando, diante do guarda-roupa: “Não tenho o que vestir!”. Oh, graças a deus!
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*Editor-executivo de ÉPOCA Autor do livro Alguém especial.
Fonte: Revista Época, acesso 28/11/2014
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