Manuel S. Fonseca*
É neste tableau
que começa a glória, a glória prematura de Picasso. Gertrud Stein,
americana, escritora, uma escritora que sonhava revolucionar a escrita
do século XX, pediu a Picasso que a pintasse, tinha Picasso acabado de
pintar arlequins. Minto, foi ele, para quem (e é outra mentira) já
ninguém posava desde os 16 anos, que pediu para a pintar. Ele tinha 24
anos, ela 31. Foram 90 sessões de pose, em 1905 e 1906
Há
uma discrepância óbvia entre o movimento do corpo e a imobilidade de
pedra do rosto, entre a solidão da massa corporal e o esculpido vazio do
olhar. Stein escreveu que, entre todos os artistas de Paris, este jovem
Picasso, que a retratava, era o único que pintava já com o olhar no
século XX. Todos os outros, brilhantes, revolucionários, tinham ainda o
olhar no século XIX.
A
revolução que Stein queria ter incarnado na escrita, incarnou-a Picasso
na pintura. Desta tela dizia Picasso: "Toda a gente diz que a
Gertrud não está parecida, que ela não é assim. Não faz mal, vai ser."
Stein, à sua maneira, não discordou, como se depreende do que que aqui
escreve sobre semelhança ou parecença: "To exact resemblance the
exact resemblance as exact as a resemblance, exactly as resembling,
exactly resembling, exactly in resemblance exactly a resemblance,
exactly and resemblance."
A
admiração de Stein moveu montanhas. Diz-se que Picasso ganhou um
prestígio precoce, que ainda não mereceria. "Pode ser que sim - confirma
Picasso -, mas foi à sombra desse sucesso que pude fazer tudo o que
queria fazer."
---------------
* Escritor português.
Fonte: Site do autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário