domingo, 30 de novembro de 2014

A falta d’água, em São Paulo, recontada como uma parábola bíblica:

                                                         Luis Fernando Veríssimo*


“E Deus apareceu para Alckmin e disse:  
‘Suas preces foram ouvidas, choverá 40 dias’.
E Alckmin disse: ‘Sério?’. 
E Deus disse: ‘Palavra de Deus’. 
E instruiu: ‘Construa uma arca, pois a chuva trará um grande dilúvio que cobrirá São Paulo, e só os que estiverem na arca sobreviverão’.
E Alckmin disse: ‘Senhor, obrigado pela boa intenção, mas...’. 
E ponderou: em vez de fazer chover por 40 dias e submergir São Paulo, por que Deus não regulava a quantidade do que cairia sobre o Estado, como sempre fizera, e mandasse apenas o bastante para encher os reservatórios? 
Não era preciso nada espetacular como 40 dias de chuva, ou pouco prático como uma arca em que coubesse todo mundo. 
Ou quase todo mundo. 
Sim, porque haveria a questão política: quem incluir e quem excluir da arca? 
Quem salvar do dilúvio para reconstruir São Paulo quando as águas baixassem? 
Não poderia ser só gente do PSDB, por mais que isso fosse o recomendável.
Outra coisa: só seria possível construir a arca com auxílio do governo federal. 
Deus teria que aparecer para a Dilma, também, e convencê-la a ajudar. 
Depois, haveria a questão de dividir os créditos pela obra. 
O PT fatalmente iria querer ser reconhecido. 
E outra coisa... 
Mas Deus já estava se afastando, dizendo ‘Esquece, esquece...’
Alckmin ainda gritou: ‘Quem sabe 10 dias de chuva? Quinze?’. 
Mas Deus já tinha desaparecido”.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH online, 30/11/2014
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