domingo, 6 de dezembro de 2009

Grosseria sobre trilhos no Japão




Trem lotado leva passageiro a agir de forma hostil;
sistema de Tóquio revela obsessão pela ordem

Limpo, rápido e pontual, o sistema ferroviário japonês costuma proporcionar passeios agradáveis. Mas a hora do rush é extenuante e leva as pessoas a abandonar a educação. Os vagões lotados oferecem um ponto de vista privilegiado para o lado bruto do Japão.

Numa manhã de segunda-feira, abro caminho em meio à multidão na plataforma e aperto o passo para chegar ao vagão feminino. Segurando bolsa, pasta e guarda-chuva, entro de costas no vagão para evitar o contato cara a cara com os passageiros já espremidos.

Observo as informações exibidas numa tela. Com frequência são anunciados os "jin shin jiko" - tecnicamente um acidente, mas, na terminologia dos trens, uma expressão que se refere ao suicídio.

No ano passado, foram 685 mortes, mas os usuários as encaram como a causa de irritantes atrasos, e não como tragédias pessoais.

Recentemente, um homem saltou para a morte numa estação onde eu estava. As pessoas correram para pegar ônibus e táxis, e os passageiros presos no trem prejudicado mantiveram a calma com indiferença, lendo jornais e enviando mensagens.

Enquanto meu trem para, reparo nas três lâmpadas azuis, no teto de cada plataforma. A Japan Railways as instalou neste ano na esperança de que a coloração suave pudesse tranquilizar e dissuadir suicidas. A estação seguinte tinha em uma parede um grande espelho; outra tentativa de levar os suicidas a olhar para si e desistir.

O vagão feminino é um pouco menos abarrotado e nele não preciso temer que alguém aperte seu corpo contra o meu. Em 2008, a Polícia Metropolitana de Tóquio recebeu cerca de 1.800 queixas de assédio. Para ajudar mulheres a identificar os abusados, uma indústria acaba de desenvolver um adesivo que se encaixa em celulares que podem marcar mãos suspeitas com um X vermelho.

Houve casos de falsas acusações, e por isso alguns dos meus colegas mantêm ambas as mãos em lugares visíveis nos trens lotados.

Na estação onde faço baldeação, vejo "empurradores", funcionários que ajudam a apinhar gente. Três jovens uniformizados gritam "por favor, puxem para dentro toda a sua bagagem" enquanto empurram as pessoas. A equipe consegue apertar todos o suficiente para garantir o fechamento das portas, e os três sorriem conforme o trem parte com a alça de uma mala pendendo para fora. A bordo, ouço comunicados. Entre os óbvios ("Não empurre") e os carinhosos ("Não esqueça o guarda-chuva"), a quantidade de informes é digna de um país de dóceis que amam a ordem.

Há constantes pedidos de desculpas por atrasos cujos motivos vão desde a recuperação da bagagem até "confusões entre passageiros". Finalmente, há uma bronca dirigida a alguém que embarcou correndo enquanto as portas se fechavam. "Kakekomijosha é perigoso, por favor evite este comportamento." Estações de metrô em Tóquio mostram agora pôsteres com dicas de bom comportamento. "Essas coisas devem ser feitas em casa", diz o cartaz de novembro, com o desenho de uma mulher se maquiando.

De tempos em tempos, vemos passageiros que não suportam a situação. "Por que está implicando comigo? Todos estão com guarda-chuva molhado hoje", gritou recentemente uma mulher a um outro passageiro no meu vagão lotado. O sujeito tinha arrancado o fone de ouvido dela para se queixar. Ao responder à reclamação, a mulher apresentava sinais de histeria, mas ela poderia estar falando por todos nós quando perguntou: "Onde estão meus direitos humanos? Sou uma pessoa decente. Trabalho duro, e estou indo para meu emprego."
REPORTAGEM DE - Kumiko Makihara, HERALD TRIBUNE, TÓQUIO
FONTE: Estadão online, 03/12/2009

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