sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Manuel Castells - Entrevista

A internet muda os paradigmas da relação entre comunicação e poder.


O catedrático, que vive viajando entre a Espanha, os EUA e a França, analisa, em seu último livro, como a Internet tem mudado os paradigmas da relação entre comunicação e poder. O novo livro de Manuel Castells intitula-se Comunicación y poder (Alianza Editorial) e tem mais de 600 páginas. Sobre seu conteúdo, sobretudo de Internet, falamos com ele.

A entrevista é de Juan Cruz e está publicada no jornal El País, 17-11-2009. A tradução é do Cepat.

Eis alguns ítens da entrevista*:

Quero perguntar-te sobre a solidão. Lendo o teu livro, há momentos em que pensei nisso. De saída, há um novo instrumento que se parece com o rádio em sua ubiquidade. O rádio foi o grande elemento que atenuou a solidão das pessoas. A internet veio para curá-la?
A resposta é diretamente sim. Não a elimina. Se alguém se encontra sozinho, se encontrará menos sozinho com a internet, mas se encontrará sozinho. Aí temos dados duros, são das coisas que sabemos. Temos dados duros do meu próprio estudo sistemático sobre a Catalunha há 5, 4, 3 anos, com análises de amostras representativas da população – 3.000 pessoas – em que isso está claro.

Analisamos os que tinham internet e os que não a tinham. Claramente, o uso da internet favorece a sociabilidade, diminui o sentimento de alienação e o que poderíamos chamar de sentimento de estar isolado. Por um lado, são pessoas mais sociáveis, mas, além disso, o sentimento de isolamento também diminui com o maior uso da internet.

A internet, ao contrário do que sempre se disse nos meios de comunicação, não é um instrumento que deixa as pessoas sozinhas com o seu computador, mas que, ao contrário, é cumulativo. Quanto mais sociável alguém é, mais utiliza a internet; quanto mais utiliza a internet, mais desenvolve a sociabilidade e tem menos sentimento de isolamento. Isso se reflete neste estudo. Todos os estudos realizados, em particular o World’s internet service, que foi feito com painéis a cada três anos nos últimos 10 anos, mostra a mesma realidade. Tudo vai na mesma direção. A internet é um instrumento para combater a solidão. Não para aumentá-la.

E o abuso não cria nas pessoas a ideia de que a vida está ali e não na rua? Não nos prende à cadeira da internet?
Os dados mostram justamente que quanto mais sociável, mais internet; quanto mais internet, mais sociável. Mais sociável quer dizer que as pessoas que utilizam a internet têm mais amigos, saem mais frequentemente, participam mais politicamente, têm maiores interesses e atividades culturais... Está comprovado inclusive por níveis sociais. Portanto, não. Empiricamente, a resposta é claramente não. A internet expande o mundo.

Aí surge outra pergunta: o que acontece quando passas toda a vida na internet, fechado na tua casa? Acontece a mesma coisa que quando jogas um videogame ou lês um livro na tua casa 15 horas seguidas por dia. Se há gente assim, a internet não vai solucionar o seu problema. É um instrumento que amplia o mundo em vez de encolhê-lo, empiricamente.

O que a internet te proporcionou?
Fundamentalmente, a capacidade de pesquisar da maneira que nunca pude fazer. A capacidade de estar informado ou de poder estar informado simultaneamente em que as coisas acontecem no mundo, do que aconteceu no mundo ou do que aconteceu há cinco mil anos. Na internet temos a capacidade de acessar todas as informações e todas as expressões culturais produzidas no planeta desde que o mundo é mundo.

Para um pesquisador, a internet é preciosa porque em grande medida não necessitas de biblioteca. Para os pesquisadores em ciências sociais, mas também para os pesquisadores de outras áreas, o fundamental é poder acessar as pesquisas mais recentes. Acabei as pesquisas sobre o meu livro há um ano e o imprimiram rapidamente, mas mesmo assim demorou. Um pesquisador necessita estar a par do que acontece em cada momento, tanto nas ciências sociais como em qualquer outro tipo de ciência porque as mudanças científicas são tão rápidas que podes estar repetindo coisas sem sabê-lo.

Agora, com a internet, se sabes onde buscar – o que é a grande condição – e o que buscar, podes estar sempre atualizado.

Segunda coisa. Me permitiu estar em comunicação ininterrupta – já falando pessoalmente e de mim – com qualquer pessoa com quem quero estar em comunicação, cada minuto, cada dia. Minha filha vive em Genebra, a filha da minha mulher na Sibéria, dois netos em Genebra, outra neta em Los Angeles, minha mulher e eu viajamos muito. Sempre estamos em contato. A família está absolutamente em contato. Minha irmã mora nos arredores de Barcelona, esteja onde estiver, sempre estamos em contato. Com a minha filha falamos diariamente. Não apenas por e-mail, mas pelo Skype, gratuitamente.

De que qualidade é essa comunicação que estamos construindo?
É uma comunicação muito mais intensa porque podemos falar muito mais intensamente, o que não exclui que se a minha filha vivesse na minha cidade ou ao lado, eu a veria pessoalmente, claro. Também o faria pela internet. A comunicação de banda mais larga é, obviamente, a interpessoal, cara a cara, porque há outros níveis de comunicação que não simplesmente as palavras: a estrutura gestual, o olhar... Mas não se trata de opor uma à outra, mas de somá-las e, sobretudo, de, lá onde não podemos chegar com a nossa presença física, poder chegar sempre com um outro tipo de comunicação. E, sobretudo, a que é possível para a imensa maioria da humanidade neste momento.

Te diziam que deveríamos aprender dos norte-americanos porque estão muito mais avançados na utilização desta ferramenta, que nasce por ali. O que temos que aprender? O que nos falta? Imagino que esta ferramenta, sem uma educação secundária suficiente e sem uma educação mais profunda, seja uma ferramenta que podemos inutilizar, ou não saber utilizar.
Primeiro, não creio que tenhamos que aprender dos americanos. Creio que o mundo tem que aprender uns dos outros porque as taxas de difusão da internet no norte da Europa são mais altas que nos Estados Unidos. Mesmo que na internet – a velha tecnologia que começa a ser empregada em 1969 nos Estados Unidos, mas que depois, a partir de 1990, se difundiu por todo o mundo –, neste momento, o maior pacote de internautas – mais de 300 milhões – seja de chineses. A língua da internet não é o inglês; apenas 28% dos websites feitos na internet são em inglês. Ou seja, é um fenômeno absolutamente universal.

Portanto, não temos que aprender internet. Vivemos com a internet, não na internet. A utilizamos para trabalhar, para nos relacionarmos entre nós, para ler os jornais... Pessoalmente, não conheço ninguém que leia mais o jornal impresso do que o digital, o que coloca alguns problemas à imprensa escrita. A internet não serve para ver os jogos do Barça quando são transmitidos para o outro lado do mundo...

A banda larga ainda não dá a qualidade das jogadas...
Ah, não! Mas também não tens isso em campo ou vendo o jogo pela televisão, mas está chegando. O que quero dizer é que a internet é nosso contexto de comunicação, é o que temos, é o que vivemos, não é uma coisa estranha, é como pensar como vivemos com eletricidade. Nem pensamos nisso. Para os jovens de 20 anos, para não falar das crianças de cinco anos, o mundo é a internet. Não se concebe outro mundo que o da internet.

A questão da pouca familiaridade com a internet se resolve quando a minha geração desaparecer. Essa é a brecha digital, gente da minha idade ou inclusive um pouco mais jovem. Quando por lei biológica desaparecermos de cena ninguém se colocará os problemas que nos colocamos agora sobre se a internet é de um jeito ou de outro. É o que respiramos, é o que fazemos. Já demos o salto e ninguém mais pode se colocar a questão de se fazemos ou não internet.

O tema que colocavas, o que é central, o que acontece na inadequação entre o nível de educação, cultural ou geral? Há duas questões. Uma, utilização que não é necessariamente para questões de buscar informação e combiná-la para obter conhecimento e aplicá-lo. O que dizem as pessoas: cursos para aprendizagem da internet. O quê? Colocar o dedo aqui... Isso se aprende em meia hora.

O problema é, uma vez que sabes, o que fazes na internet? Para comunicar-se não há nenhum problema, para ninguém, qualquer que seja o seu nível cultural. Fica encantado em comunicar-se. Nas periferias operárias de Madri ou Barcelona desenvolveram, para tirar o medo que as pessoas idosas têm da internet, programas em que as crianças ensinam aos seus avós a como usar o correio eletrônico e assim podem estar conectados.

A comunicação entre as pessoas, essa já é uma realidade. Para a utilização da internet como meio de informação e comunicação tampouco faz falta algum tipo de treinamento. Pois bem, o grande problema que se coloca na sociedade é que como é uma ferramenta tão potente de acesso à informação, a qualquer tipo de informação, saber o que se busca, onde, como se busca, para quê se busca e o que fazer com isto em nossa vida requer um nível cultural. Aí entra a educação. A divisão mais fundamental na história da humanidade, muito mais que as classes, mesmo que de modo geral haja uma correlação, é a divisão entre quem sabe e quem não sabe, quem sabe e quem não sabe ler, quem entende o mundo e quem não o entende. Níveis culturais educativos. Essa é uma divisão fundamental.

Aí sim é certo que, tanto na população em geral como entre os jovens, quanto mais educado estás mais sabes o que a internet pode oferecer para a tua vida e mais a podes utilizar, desfrutar e mais te ajuda a se desenvolver. O tema está muito claro. Em termos de políticas, a educação é central. Em uma sociedade com internet é muito mais importante do que nunca na história o desenvolvimento de uma prioridade absoluta para a política educativa. Não apenas para integrar a internet na educação, ao contrário, para que as pessoas sejam suficientemente educadas para poderem utilizar as extraordinárias possibilidades abertas pela internet.

Como o poder está utilizando a internet? Para que lhe serve? Como mudou a relação do poder com a sociedade graças à internet?

Se estamos falando do Estado, que é apenas uma das formas de poder, os Estados têm medo da internet, diretamente, porque perderam o controle da comunicação e da informação sobre as quais se baseou o poder ao longo da história. Mas há um problema. Por outro lado, a internet é extremamente útil para a economia, bem utilizada para a educação, para os serviços públicos, para a informação. Mas, por outro lado, não podes ter um pouquinho de internet, tens que ter internet na plenitude de sua capacidade autônoma de comunicação.

Não se pode interferir na internet. Pode-se fechar um servidor. Abre-se outro servidor. Caso contrário, que se pergunte aos iranianos que tentaram fechar o país a sete chaves durante uma semana e não o conseguiram porque sempre há formas de chegar a um servidor que não está no território desse país. Ou quando a Espanha tornou a vida impossível ao “Acrópolis”, um dos sítios da internet em espanhol. O “Acrópolis” simplesmente mudou o servidor para Nova Jersey.

Atualmente, o Estado tem um grande problema com a internet porque perdeu a capacidade de informação e comunicação. O que fazem então? Vigia-se a internet, entra-se na privacidade das pessoas, mas isto sempre ocorreu, não é novo. Claro que não há privacidade na internet e os governos sem querer podem entrar em todos os nossos correios eletrônicos, em tudo o que fazemos porque sempre fica um registro digital. Teoricamente, países democráticos como a Espanha necessitam de uma ordem judicial, mas na prática cada vez que um governo quer fazer algo usa os recursos legais disponíveis. Caso não conseguir, recorrem aos ilegais. Todos os governos em todo o mundo.

O que acontece então? Nos vigiam. Sempre foi assim. A novidade é que nós podemos vigiá-los também. A novidade é que qualquer ministro, personalidade, banqueiro ou qualquer pessoa que esteja fazendo algo que não gostaria que se tornasse público, qualquer pessoa que ande com um celular pela rua pode filmá-lo e exibi-lo no Youtube em cinco minutos e isso estará nos telejornais da noite imediatamente. Foi isso que aconteceu repetidas vezes nos últimos anos. Invadem a nossa privacidade, sim, mas também podemos invadir a privacidade dos poderosos, temos armas relativamente iguais.

O outro problema é que se exagera na capacidade de controle da internet. Tecnicamente, materialmente, como se faz? Nós estudamos a China neste aspecto. Em teoria, podem controlar tudo, mas na prática não vão ler cada um dos milhares de milhões de mensagem enviadas. Isso é feito por robôs. E como funcionam os robôs? Com sistemas de análise automática de conteúdo. Palavras-chave. A maioria dos chineses que se comunica não se interessa pela política, os que fazem pornografia também o fazem com cuidado, como aqui, mas fundamentalmente as pessoas vivem sua vida na internet sem se preocupar muito.

Aqueles que se preocupam mais com a política já sabem que não podem dizer palavras feias, como democracia, Tiananmen, Tibet, Taiwan... nenhuma dessas coisas que imediatamente o robô entende.

Nos tempos da transição à democracia, nos últimos anos do franquismo havia quase imprensa livre na Espanha. Claro, não podias dizer: “O sanguinário regime da ditadura franquista”, mas podias dizer a mesma coisa utilizando outras palavras e nenhum robô de censores tomava conhecimento.

*A entrevista completa está no IHU/Unisinos - Notícias - 11/12/2009

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