Sempre que vou ao centro de Porto Alegre e de transporte coletivo, tenho um amigo que levo na sacola: livro. Na última semana acompanhou-me CANETTI* e o trecho abaixo é das compilações que este autor de ascendência espanhola, fez sobre a morte.
“Há muitos anos nada mexe mais comigo ou me preenche mais do que pensar na morte. O confessado objetivo da minha vida, bem concreto e sério, é alcançar a imortalidade para os seres humanos. Houve tempos em que eu queria emprestar essa missão ao personagem central de um romance que eu denominava comigo mesmo “o inimigo mortal”. Durante essa guerra tronou-se claro para mim que convicções de tal importância – na verdade, uma religião – teriam de ser expressas de maneira direta e sem disfarces. Portanto, registro agora tudo que está relacionado à morte, assim como eu quero comunicar aos outros; e eu afastei de todo o “inimigo mortal”. Não estou querendo dizer que tal processo será concluído dessa maneira; pode ser que [a figura] ressurja nos anos que virão, de modo distinto do que eu a havia imaginado antes. No romance, o personagem deveria sucumbir ao seu projeto desproporcional; imaginei uma morte honrosa para ele; ele devia ser atingido por um meteorito. Talvez me incomode mais hoje o fato de que ele teria que falhar. Ele não pode falhar. Mas eu tampouco posso deixar que a figura tenha êxito enquanto os seres humanos continuam morrendo aos milhões. Em ambos os casos aquilo que é extremamente sério se transforma apenas em ironia. Eu vou ter que, pois, ironizar a mim mesmo. A mera escolha covarde de uma figura não leva a nada. Nesse honroso território da honra posso sucumbir – gritar como um louco de que modo se evita um agonia amarga, persistente e incurável. (1943).”
(CANETTI, Elias. Sobre a Morte. Tradução e notas de Rita Rios. - São Paulo; Estação Liberdade, 2009, pp.25-26)
*ELIAS CANETTI, nascido em 1905 numa família comerciante sefardita de ascendência espanhola em Rustchuk (hoje Ruse, norte da Bulgária), estudou em Viena a partir de 1913, e lá escreveu seu grande romance Auto-de-fé (1935). Emigrou com sua esposa Veza para Londres em 1939. A partir do final dos anos 60 viveu alternadamente entre Zurique e Londres. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1981. Faleceu em Zurique em 1994.
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