quarta-feira, 10 de novembro de 2010

De Gaulle e a honra da França

Mauro Santayana*
Imagem da Internet
Ontem, há quarenta anos, o general Charles de Gaulle (foto) morria, em Colombey-les-Deux-Églises. Ele foi um dos gigantes do século 20, quando ainda havia estadistas no mundo. Há setenta anos, em 18 de junho de 1940, com seu apelo ao povo, para que lutasse contra o invasor alemão, De Gaulle salvou a honra da França, antes que ela se perdesse de todo, diante da vergonhosa capitulação de Laval e Pétain, do colaboracionismo ativo de Vichy. Com seu chamado, organizou-se a Resistência.
De Gaulle foi um grande estrategista e havia aconselhado seu país, nos anos 30, a adotar medidas militares que os alemães depois empregariam. Ele duvidava, e com boas razões, da eficiência da Linha Maginot, e queria criar forças blindadas bem estruturadas, apoiadas pela aviação, a fim de romper a frente inimiga, quando a guerra viesse. Sabia que ela se tornaria inevitável, diante da poderosa máquina militar alemã, coesa em sua obediência a Hitler. Mas todas essas qualidades militares foram menores do que a sua consciência de Estado e de nação. Na história de seu país, um só homem fora capaz de se devotar ao Estado com tamanha dedicação – o cardeal de Richelieu.
Em junho de 1940 as elites francesas pareciam ter abdicado da pátria, salvo alguns de seus filhos que, ao lado dos trabalhadores e intelectuais, lutaram, foram torturados, assassinados ou deportados para os campos de concentração, de onde poucos retornariam. Naqueles quatro anos, em que durou a presença alemã, só na Resistência houve o compromisso cotidiano de solidariedade que faz as nações, conforme a definição de outro francês, Renan.
No momento mesmo que a França se viu invadida, De Gaulle ordenou-lhe, de Londres, que resistisse. Paris foi ocupada no dia 14 de junho. De Gaulle só conseguiu autorização de Churchill para se dirigir a seus compatriotas no dia 18. Seu primeiro apelo durou poucos minutos. Condenou a capitulação dos governantes de ocasião, afirmou que a Alemanha seria derrotada pela aliança que se formava, e pediu que todos os franceses resistissem e lutassem, onde estivessem e como pudessem.

"Ele acreditou em um povo que
– salvo alguns enlouquecidos patriotas como ele mesmo –
não parecia mais acreditar em si mesmo."

Naquele momento, outro francês, Giraud, comandava unidades navais que se encontravam fora da França no momento da capitulação. Giraud parecia mais importante do que De Gaulle, porque dispunha de tropas e de meios de combate e de maior confiança dos aliados. De Gaulle sabia que as poucas tropas disponíveis fora do solo francês, ainda que lutassem com denodo, não resolveriam o problema mais importante da França, que era interno. Naquele momento – e isso foi lembrado ontem – sua ideia de nação era maior do que a própria França talvez tivesse de si mesma. Ele acreditou em um povo que – salvo alguns enlouquecidos patriotas como ele mesmo – não parecia mais acreditar em si mesmo. Sua aliança não poderia ser com outras forças que não fossem as da esquerda, em que se incluíam os intelectuais da dimensão de Vercors, com suas Edições de Minuit. Os conservadores estavam ao lado do regime pró-fascista de Vichy. Seu delegado na França, Jean Moulin, conseguiu unificar todos os setores da Resistência, em que predominavam os comunistas e outros esquerdistas. A ideologia de De Gaulle era a do nacionalismo.

"Sarkozy tentou apelar para a grandeza de De Gaulle,
 em busca de socorro para o seu débil e
cambaleante governo."

As nações, como os homens, podem ser vencidas pela força, mas não pela desonra. Quando elas fraquejam, conduzidas por governantes acovardados, como os de Vichy, cabe aos grandes – como foi De Gaulle – devolver-lhes esse necessário compromisso ético.
Sarkozy tentou apelar para a grandeza de De Gaulle, em busca de socorro para o seu débil e cambaleante governo. Mas o velho general não o ouviu. Sob a imponente cruz de Lorena, seu túmulo modesto é o testemunho de uma grandeza que hoje parece perdida na História.
____________________
* Jornalista
Fonte: JB online, 10/11/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário